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As contradições bizarras dos capitalistas

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Por Milton Temer*

 

Meus amigos do Faixa Livre, muito bom dia. Não é muito normal trabalharmos nessas condições em que a Celeste me coloca para, de casa, fazer um comentário sobre o quadro que estamos vivendo, a conjuntura que estamos vivendo e o desdobramento disso que nós, nesse momento, atravessamos. Eu diria que está sendo um tempo de bizarras surpresas no meio dessa agonia porque, de repente, começamos a ver cada um representando o papel oposto daquilo que realmente representa nos dias normais.

 

Um artigo recente do professor Wilson Ramos Filho, da Universidade Federal do Paraná, chamado ‘Nudez’ mostra a canalhice das chamadas manifestações que estão sendo feitas pelos bolsonaristas fanáticos na linha do presidente da República, a linha genocida de negar o que a ciência em todo mundo está exigindo que é o confinamento, o recolhimento em casa, até que o tempo de contágio passe para que as pessoas possam viver a vida normal, relevou claramente uma coisa: os grandes capitalistas, os donos dos grandes instrumentos comprovam, na prática, que a riqueza não é produzida nem pelo capital, nem pelas máquinas, nem pela tecnologia, ela é produzida pelo trabalho humano porque é isso que eles estão pedindo nas suas manifestações.

 

“Permitam que a gente abra nossas unidades de trabalho para que possamos receber nossos empregados de quem vamos roubar a mais-valia”, ou seja, aquelas horas em que o trabalho deles não se destina a eles próprios, mas sim à geração dos nossos lucros porque, sem isso, não podemos progredir, ou seja, a vida real mostrando a correção da análise de Marx em ‘ O capital’. Quem faz a riqueza não é o material sólido sobre o qual não há operação do ser humano. Quem faz a riqueza é o trabalho, o ser humano produzindo, empregando o seu esforço racional, físico, a sua competência, sem isso não há objetivamente criação de riqueza.

 

A tragédia é que os que estão fazendo manifestação não usam essas potencialidades individuais, eles roubam a potencialidade individual de quem não tem o direito de trabalhar para si mesmo, tem de trabalhar para o outro para receber o salário, e o salário nunca corresponde àquilo que produz. A segunda grande falácia que nos aparece no coronavírus é a de encontrarmos os grandes neoliberais que desde a década de 1990 vêm tentando convencer a todo senso comum alienado e, principalmente, imbecilizado através dos meios de comunicação que não há saída para o desenvolvimento e o crescimento a não ser pelo arrocho das contas públicas, pelos privilégios mantidos com os grandes capitalistas, porque são eles “os empreendedores que geram empregos”.

 

Nada disso. O neoliberalismo está sendo agora contestado pelos seus próprios apóstolos. São eles que estão pedindo o fim, pelo menos durante a crise, da lei de Responsabilidade Fiscal, são eles que estão pedindo para que se faça um rombo no teto de gastos para que os investimentos sociais possam levar algum tipo de recurso à população de modo que a população faça a economia girar através do consumo, são eles, inclusive, que agora se contrapõem de forma concreta a tudo o que fizeram com as contrarreformas, são eles que querem uma saúde pública forte depois de durante décadas terem privatizado a saúde, transformando-a em mercadoria, assim como a educação.

 

Eles agora querem que o SUS seja forte porque são eles que correm o risco de serem contaminados pelo coronavírus, e no pano de fundo de tudo isso, temos um presidente da República que, por imagem, parece um sociopata. E ele é um sociopata na medida em que por sua obsessão em condenar a ciência e fazer o jogo desses que fazem a campanha do ‘voltem todos a trabalhar, aglomerem-se e sejam contaminados’, ele é um sociopata porque produz a possibilidade de homicídios em massa, de pessoas morrerem por conta do coronavírus.

 

Esse sociopata é tudo, mas não um idiota, ele tem um projeto de poder. E esse projeto de poder que faz com que ele, que tem um passado nada louvável, pelo contrário, bastante nebuloso na sua carreira de militar, de onde foi defenestrado por razões disciplinares, tem uma carreira na vida parlamentar nada louvável porque nada fez de útil a não ser retórica anti-humanística, defesa de torturador e abertura de espaço para que seus filhos constituíssem na Câmara de Vereadores e na Assembleia Legislativa gabinetes suplementares àqueles que ele já tinha como deputado federal, onde abriga os milicianos a quem seus filhos vivem condecorando.

 

Vivemos realmente uma situação dramática e o Brasil vive isso, é preciso que se diga, não porque um raio caiu no céu azul, é porque, lamentavelmente, existe também uma razão política concreta: a esquerda está absolutamente desmoralizada, desconectada, e quando digo esquerda, digo aquilo que simboliza a esquerda que é o que foi o Partido dos Trabalhadores, de passado honroso nas duas décadas de oposição, mas que na oportunidade de exercer o governo, não quis nem o poder, nem o governo.

 

Conciliou com as classes dominantes, desmobilizou completamente o movimento social e os partidos de esquerda, permitiu que malfeitos fossem executados sem que houvesse um controle real sobre esses malfeitos por parte de cardeais – Delúbio Soares chegou a ser expulso do PT e agora o readmitiram no partido -, mas objetivamente deram àquela classe média que é vulnerável, que vive esperando ser tratada como a grande burguesia e que tem horror da pequena classe média e, principalmente, dos despossuídos que compõem o grande quadro de desempregados, de oprimidos, pessoas que estão varridas no âmbito da sociedade, que simbolizam hoje fundamentalmente no negro da favela onde são atingidos por balas ditas perdidas, mas que não são perdidas e sim criminosamente irresponsáveis, essa classe média se escafedeu para o lado conservador por conta exatamente da desilusão com aquilo que deveria ser a esquerda.

 

Existe um setor combativo, que inclusive se manifesta em uma parte de bancadas na Câmara dos Deputados, mas este setor combativo não consegue superar, na imagem social, nem na mídia, o peso fundamental daquilo que foi o PT, e com o PT desqualificado, desmobilizado, a esquerda não se contrapõe. Quem hoje faz o principal combate, por incrível que pareça, a Bolsonaro é essa direita aristocrática que tem acordo com a essência criminosa do projeto económico, que apenas quer buscar uma solução lampedusiana para a crise atual. Essa solução lampedusiana é aquela figura de um romance célebre italiano em que um príncipe diz “é melhor que mudemos tudo para que tudo continue igual, antes que o povo faça a revolução”.

 

Essa solução lampedusiana lamentavelmente vem sendo conduzida pela Rede Globo através do Jornal Nacional, que virou um mobilizador de panelaços. Não tenho nada contra, desde que isso conduza não a uma saída em que a direita continue hegemônica no processo de substituição do que tem de ser negado, como foi negada a ditadura com a transição pelo alto que deu no que deu, deu em Fernando Henrique, em Collor e, lamentavelmente, em um Lula que conciliou com o grande capital, como ele mesmo afirma ao dizer que nunca foi de esquerda e que nunca os banqueiros lucraram tanto na história republicana quanto em seu governo.

 

Objetivamente se me perguntam para onde vamos, o que vai dar o que estamos vivendo, eu diria não sei. Não sei porque não estaremos, de forma nenhuma, igual ao que estivemos na entrada desse processo do coronavírus, mas na saída podemos até estar pior se a esquerda não se mobilizar para tentar disputar e hegemonizar a substituição do governo e da política do governo Bolsonaro por algo que negue as contrarreformas antes que a direita derrube Bolsonaro para manter e ampliar essas contrarreformas.

 

Todos em casa se cuidando, lavando as mãos, tendo o maior cuidado com seus familiares e não indo na conversa desse genocida que está na Presidência da República e vai à rua depois de ter vinte e tantos daqueles que trabalham em volta dele contaminados cumprimentar populares absolutamente alienados, idiotas, imbecilizados porque se veem diante de um presidente que aparece como mito. Não podemos permitir que este cavalheiro continue a dar as cartas, mas para isso é fundamental que estejamos, pelo menos nesse fim de processo, todos com muita saúde. Um abraço e até uma próxima, esperamos que seja ao vivo e no estúdio.

 

*Milton Temer é jornalista e ex-deputado federal

 

Ouça a análise de Milton Temer:

 

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