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A crise do coronavírus e suas implicações

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Por Gustavo Gindre*

 

Olá, amigos e amigas do Faixa Livre. É um prazer mais uma vez estar conversando com vocês aqui, ainda que nesta situação complicadíssima da quarentena que todos estamos tendo de passar. Eu queria falar um pouco dessa situação da ação do Bolsonaro, de como ele está agindo nesse contexto atual, mas queria primeiro voltar um pouco lá atrás, a gente vem caminhando e vamos chegar, enfim, no nosso objetivo. Desde 2007, já se sabia que havia coronavírus habitando animais silvestres naquela região da China, inclusive os estudos alertavam da possibilidade de haver mutações nesses vírus que pudessem acabar infectando seres humanos.

 

Infelizmente o governo da China não tomou a necessária providencia para criar um cordão de isolamento sanitário, até porque, na China, é muito comum, existe uma indústria considerável de animais silvestres, parte legal, parte ilegal, o que a gente chama de mercado de animais vivos. Os animais são vendidos vivos e mortos ali na hora. Esse é um espaço de transmissão muito fácil que aconteça, os animais estão todos se misturando com seres humanos em condições higiênicas péssimas e a China acabou não tomando essa necessária medida.

 

Por volta de novembro, mais ou menos, começaram os alertas na região de Wuhan, que havia um novo tipo de pneumonia que até então não se sabia exatamente o que era, que estava rondando a região. Novamente a China tomou uma atitude equivocada e acabou reprimindo essas manifestações, inclusive de autoridades médicas, permitindo que esse vírus se alastrasse, que uma parte da população saísse da região com medo do contágio e que isso acabasse se propagando.

 

A China, efetivamente, só foi tomar as decisões necessárias no finzinho de 2019, início de 2020. A partir daí, a China efetivamente tomou um conjunto de decisões impressionantes: colocou uma população considerável em quarentena mesmo, construiu hospitais, fabricou os equipamentos necessários e tudo em tempo recorde, e se a gente pensar em uma população de 1 bilhão e 200 milhões de pessoas, o número de mortes ocorridas na China foi relativamente baixo. Alguns países na vizinhança, notadamente a Coreia do Sul e Singapura, que são muito próximos da China, perceberam o risco do que estava acontecendo e se prepararam para uma situação de propagação do vírus, enquanto o resto do mundo achava que estava tudo tranquilo.

 

Mesmo quando esse vírus já tinha chegado na Europa, vários países da Europa passaram a achar que era controlável, o prefeito de Milão inclusive criou aquela campanha ‘Milão não se fecha’, apostando que aquilo era uma besteira. O Trump, até a última hora, ficou achando que que não precisavam ser tomadas medidas mais drásticas, e o que estamos vendo agora é que o coronavírus se espalhou pela Europa, pelos Estados Unidos. A previsão oficial agora do governo dos Estados Unidos é um mínimo de 100 mil e o máximo de 240 mil mortes, quer dizer, uma situação catastrófica, enquanto há outros países onde o número parece ser muito pequeno, mas aí nos leva a pensar se não está havendo uma brutal subnotificação.

 

Vamos pensar: por exemplo, hoje não há indicação de nenhuma pessoa contaminada no Sudão do Sul e no Iêmen, e de apenas 16 na Síria. Esses três países passam por guerra civil, com o Estado absolutamente esfacelado, e há reporte de apenas cinco pessoas contaminadas na Somália e 10 na Líbia, que são países hoje que, na prática, não têm mais um governo central. Então a gente fica pensando, três em guerra civil e dois com o governo aniquilado, com números baixíssimos.

 

É verdade que pode estar acontecendo também em parte expressiva da África e em outros países uma subnotificação imensa por incapacidade dos governos de conseguir dar conta de uma pandemia, então a situação pode ser inclusive muito mais grave do que aquela que a gente tem acompanhado, com os valores oficiais. Chegamos ao Brasil, e aí a tragédia é catastrófica porque temos um imbecil na Presidência da República, uma pessoa que resolveu apostar contra todo mundo.

 

Quer dizer, médicos dizem uma coisa, biólogos concordam, mesmo os economistas concordam, os modelos epidemiológicos dos matemáticos, todo mundo afirma que se caminha para uma determinada situação. O único que está certo aparentemente é o Jair, que diz o contrário, do alto da sua sabedoria. E, ao mesmo tempo, o Bolsonaro sabe que tem uns 20% de eleitores bem aderentes ao seu governo, mas a relação com esses eleitores precisa ser mantida no nível da histeria. Ele precisa estar o tempo inteiro alimentando essa histeria para que essa relação se mantenha, para que esse canal não se feche.

 

Então é o tempo todo fake news, o tempo todo notícias que mantenham essa relação histérica, e Bolsonaro resolveu aplicar na ideia de que o coronavírus será uma gripezinha, como disse. Hoje o próprio Bolsonaro vive um dilema, e esse é o centro do dilema: por um lado, ao tomar essas atitudes histéricas, ele perde, estreita sua base de aliados políticos, que já perceberam inclusive que a reação do governo tem sido tão tímida e tão retardada, demorou-se tanto tempo para tomar uma decisão e, mesmo assim, as decisões estão sendo extremamente tímidas que uma parte dos aliados percebe que virá uma catástrofe, e aí começam a romper com o governo Bolsonaro.

 

Ele que sempre teve uma base frágil, começa a ter uma base ainda mais frágil. Até os militares parecem sinalizar que não estariam dispostos a embarcar nesse nível de loucura. Por outro lado, ele precisa alimentar essa loucura para manter histérica a sua base, manter essa relação entre os chamados Bolsominions, que devem ocupar 15%, 20% da população brasileira, e que são a parte mais ativa do eleitorado dele e o próprio governo. O dilema é porque isso está se dando agora.

 

Daqui a pouco, essa situação vai ficar insustentável porque, a partir da semana que vem e da outra semana, a tendência, todos os modelos apontam para isso, é que vai haver uma explosão do número de mortos, porque, por enquanto, para o Brasil populoso, uma população muito pobre, e violento do jeito que esse país é, 50 mortes por dia, se poderia chocar uma Dinamarca, uma Suécia, no Brasil isso é considerado fichinha, é tranquilo. Infelizmente essa é a realidade.

 

Então a tendência é as pessoas não se assustarem tanto com isso, mas quando, daqui a pouco se tornar 500 ou mil mortes por dia, e há uma perspectiva hoje concreta, aí a coisa muda de figura e o governo Bolsonaro vai para o imponderável porque, em um momento de crise, quando ficar evidente o erro de cálculo dele, não sabemos o que vai acontecer.

 

Não sabemos, por exemplo, as forças políticas que o apoiam, que tipo de decisão irão tomar, se seguirão com ele rumo ao suicídio político, vão propor tirá-lo e, se tirar, entra o Mourão, e o Mourão tem o problema de ser o Bolsonaro sem a parte ridícula do seu governo. Nesse momento de crise é fundamental tirar essa excrescência do governo, mas, por outro lado, isso pode manter uma série de problemas do governo Bolsonaro.

 

Por exemplo, temos visto hoje que enquanto o presidente fica negando os efeitos do coronavírus, temos um ministro da Economia primeiro que se recusou, o máximo que podia, a embarcar em qualquer tipo de política econômica para suportar a crise do coronavírus, essa crença maluca de que o mercado resolve tudo. Quando se tornou absolutamente insustentável, o ministro Paulo Guedes primeiro criou um pacote que em parte é fake, porque na verdade é adiantamento de dinheiro que o governo ia gastar daqui a dois, três meses, e adiamento de pagamento que o governo iria receber para daqui a dois, três meses.

 

Isso não é dinheiro novo, é só o governo retardando receber um pouco e soltando agora um dinheiro que daqui a três, quatro meses teria de soltar, então isso é fake. Por outro lado, ele queria dar R$ 200 para as pessoas mais pobres e acabou tendo de aceitar um movimento que surgiu na oposição de que fossem R$ 600. Na verdade, queriam que fossem R$ 1200, acabou sendo R$ 600, que é importante, óbvio, mas é totalmente insuficiente para os efeitos de uma crise econômica que virá, isso é certo, vamos viver uma crise económica, isso é inevitável.

 

A diferença é que, com a quarentena, a gente espera viver uma crise econômica com menos mortes. Sem a quarentena seria com mais mortes, mas a crise virá porque, sem a quarentena, as pessoas estariam na rua, morreriam, e teríamos de partir para a quarentena, só que com um monte de mortos a mais, e fora o fato de que o mundo inteiro vai para uma crise, o Brasil não está em Marte, é óbvio que o Brasil vai compartilhar essa crise. A diferença é como você vai sair dela.

 

Então o Paulo Guedes tentou, ao máximo, retardar. Depois, à medida em que foi obrigado a tomar algumas ações, várias das ações são travestidas de ajuda à população e, na verdade, o que está fazendo é transferir recursos do Estado para os mais ricos. Por exemplo, vou citar um caso concreto: o governo criou uma mutreta onde não cobra imposto das empresas que alugam carros. Para que essas empresas possam comprar carros, ele não cobra imposto delas, e elas compram os carros e deveriam alugar, mas elas perceberam que, sem o imposto, o carro se torna muito barato. Então elas compram o carro, rodam um ou dois meses com eles e vendem.

 

Mesmo vendendo mais barato do que um carro zero, elas ainda têm um lucro absurdo porque elas não pagaram imposto. Na verdade, há empresas de aluguel de carros que começaram a ganhar mais vendendo carro do que alugando, só que a bolha do Uber já vinha estourando mesmo antes desta crise porque houve uma situação de precarização do trabalhador, todo mundo correu para o Uber e, no final das contas, acabou tendo muito motorista de Uber. Uma economia já andando de lado há muito tempo, os motoristas começaram a ter dificuldades de sobreviver e de de pagar os financiamentos dos seus carros, destes carros que estavam adquirindo nas empresas de aluguel de carro.

 

O Guedes está propondo agora que a Caixa Econômica Federal compre a carteira podre dos bancos com esses empréstimos feitos aos motoristas de Uber, ou seja, os cinco maiores bancos do Brasil que, ano passado, distribuíram de lucro para os seus acionista R$ 52 bilhões, esses bancos não vão arcar com os empréstimos podres e que não são recebíveis hoje que fizeram aos motoristas de Uber. Quem vai ficar com esse prejuízo é a Caixa Econômica Federal.

 

O Guedes, na verdade, está usando a crise para acentuar a sua política de transferência de recursos públicos para os grandes empresários. Nesse sentido, não adianta só trocar o Bolsonaro. Quer dizer, adianta muito trocar o Bolsonaro porque você tira um desequilibrado mental que está na Presidência da República, alguém que já mostrou que não tem nenhuma condição de ocupar nenhum cargo público, mas não adianta só tirar o Bolsonaro se você continuar tendo este nível de governo que faz com que o ministro da Saúde, o Mandetta, pareça até uma pessoa razoável quando, na verdade, não é.

 

Primeiro porque ninguém razoável aceitaria um cargo no governo Bolsonaro, segundo que mesmo as medidas do Ministério da Saúde, que foram impulsionadas pelos técnicos do Ministério, porque esses sim, nós temos uma elite gestora de técnicos e servidores públicos, de médicos na área da saúde, que é extremamente responsável e madura. Esses conseguiram pressionar o ministro a tomar atitudes, mas ele mesmo fica o tempo inteiro negociando a sua sobrevivência política com as maluquices do chefe.

 

Na verdade, temos um grande problema que é maior que o Bolsonaro, embora o Bolsonaro hoje, pela sua incapacidade mental e emocional de ocupar qualquer cargo, seja o problema principal na perspectiva de uma crise, mas o nosso problema não se limita a ele, se limita a todo governo, se limita a toda uma agenda liberal e o risco é que essa agenda liberal se intensifique com o fim da pandemia.

 

Acabando a pandemia, nós teremos uma economia mundial em crise, um país absolutamente destroçado, quer queiramos ou não, e aí você tem o risco de acentuar uma agenda liberal que realmente seria uma pá de cal no país. Então temos uma perspectiva de médio prazo de uma população jogada na miséria e de extrema turbulência e, do ponto de vista político, veremos o imponderável.

 

Para fechar, ainda temos outro problema que é uma esquerda que resolveu se tornar inexpressiva, cujos cálculos políticos remetem o tempo inteiro às eleições municipais desse ano, todo mundo fazendo seus cálculos para saber como vai chegar nas eleições municipais, quantos vereadores vão eleger cada partido de esquerda e, na verdade, acho que se tornou inexpressiva nesta crise. Ela já era antes e agora não oferece à população nenhum tipo de alternativa estrutural ao governo Bolsonaro. Essa talvez seja a cereja do bolo da nossa tragédia, é não termos uma oposição brasileira digna do papel fundamental que ela precisaria exercer nesse momento.

 

Realmente a situação que nos espera não parece ser nada fácil diante desse imbróglio que estamos vivendo hoje.  É horrível ter de concluir dessa forma, digamos, não muito otimista. Nesse momento, resta-nos ficar em casa, fazer a quarentena, torcer muito para que as pessoas que estão em situação mais precária, não apenas as pessoas que têm casas para morar, mas aquelas pessoas que estão morando em habitações absolutamente precárias, com um monte de gente na mesma habitação, aquelas pessoas que estão nas ruas, as que estão nas cadeias, para que uma menor quantidade de mortes ocorra.

 

Quem pode, quem tem condições, quem tem um mínimo de estrutura, deve respeitar essa quarentena, esse é o papel que nos cabe nesse momento. Tentar passar o máximo possível com sanidade mental por esse período porque o desafio que nos espera no futuro não é nada facil. Era isso o que tinha para contribuir, espero que a gente siga junto nesse diálogo e tenha alguns dias melhores no futuro. Obrigado e um abraço a todos.

 

* Gustavo Gindre é jornalista do coletivo Intervozes e servidor concursado da Ancine

 

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