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Debate: Brasil atual e 55 anos de golpe

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A História do Brasil está repleta de eventos onde o autoritarismo e os atos de violência contra determinados grupos se fizeram presentes, mas nada comparado ao período delimitado entre os anos de 1964 e 1985, no qual as Forças Armadas, apoiadas por uma elite civil, impetraram um golpe contra o presidente João Goulart, atentando contra a ordem democrática e suprimindo as liberdades individuais.

 

No próximo dia 1º de abril o estabelecimento da ditadura militar no país completa 55 anos e o programa Faixa Livre convidou o professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniel Aarão Reis, o especialista em agricultura e ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) Jean Marc Von der Weid  e o historiador e ex-pesquisador da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro Lucas Pedretti para relembrarem os tempos de repressão e tentarem estabelecer um paralelo entre os fatos da época e o momento que o país atravessa.

 

O principal argumento utilizado pelos militares que partiram de Juiz de Fora (MG) até o Palácio do Catete, liderados pelo general Olympio Mourão Filho e com apoio decisivo do governo dos Estados Unidos, para a tomada de poder foi a existência de uma suposta ameaça comunista no Brasil, personificada na figura do mandatário.

 

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Jean Marc Von der Weid

“Acho que está bem demonstrado por inúmeros estudos que essa famosa ameaça de golpe do Jango era, na verdade, se jamais houve alguém que pensasse isso naquele governo, um blefe total. Não tinha a mínima condição de ser executado e acredito que não existia isso, não que João Goulart fosse particularmente bem intencionado, mas era realista, sabia bem a correlação de forças onde estava se mexendo”, avisou Jean Marc.

 

O caráter repressivo do processo – que se encerou após o movimento ‘Diretas Já’ -, com episódios que foram da tortura ao desaparecimento misterioso de militantes políticos, e sua liderança na figura das Forças Armadas contribuíram para que durante muitos anos ele fosse colocado como de responsabilidade única dos militares.

 

No entanto, estudos apontaram que houve a participação direta de atores ligados ao Legislativo e ao Judiciário, além do maciço apoio midiático e da cúpula da igreja católica, instituição muito forte à época.

 

“No sentido de isolar a ditadura da luta política, as esquerdas tenderam a insistir no caráter exclusivamente militar do golpe e isso foi se consolidando ao longo do tempo. As pesquisas sérias evidenciaram certo consenso entre os historiadores que mais se dedicam a isso sobre o caráter civil-militar do golpe. O golpe não foi exclusivamente militar, teve participação ampla de políticos, inclusive alguns desempenhando tarefas e papéis muito importantes, o governador de Minas Gerais Magalhães Pinto arvorou-se líder civil do processo golpista”, comentou Daniel Aarão.

 

“A ameaça do Bolsonaro é evidente porque uma coisa que ele tem é a transparência, diz as bobagens sem o mínimo de censura” – Jean Marc Von der Weid

 

“O general Mourão Filho formalmente estava cumprindo ordens do Magalhães Pinto, que tinha formado um governo provisório de união nacional integrando políticos do PSD, da UDN e de outros partidos menores. Por outro lado, pouco depois o Álvaro Andrade, que era presidente do Senado, disse que o cargo de João Goulart estava vago quando ele ainda se encontrava em território nacional. Isso provocou muitos protestos no Senado e na Câmara, mas ele declarando o cargo vago deu um empurrão para consumação do golpe”, prosseguiu.

 

Para consolidar sua tese, o professor citou o livro “1964: a conquista do Estado”, do historiador e cientista político uruguaio René Dreifuss, que identificou as forças que emergiram da sociedade para a instauração da ditadura.

 

“No início dos anos 1980, ele comprovou a participação ativa de lideranças empresariais, religiosas, que se articulavam no quadro do IPES, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, um lobby constituído sob liderança do então coronel Golbery do Couto e Silva que desempenhou um papel muito importante em uma das conspirações das várias que estavam em curso para derrubar o Jango. Temos um contexto que evidencia uma participação muito ampla, sem falar a OAB e a própria Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que soltaram notas apoiando o golpe. A grande mídia quase toda, tirando [o jornal] a Última Hora que se opôs”, relatou.

 

“A ditadura é mais um momento de uma série de violências que o Estado brasileiro promove contra a sua população, assim como os 300 anos da escravidão explicam muita coisa sobre o Brasil de hoje” – Lucas Pedretti

 

Há também a tese de que a imposição do regime teria apoio da população, exemplo disso seria a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, movimento surgido a partir da provocação de setores do clero em repulsa ao anúncio dos programas de base do então presidente.

 

Lucas Pedretti

Lucas Pedretti

Mesmo considerando a influência de tais manifestações, Lucas Pedretti destacou que boa parte da sociedade apoiava o governo de João Goulart, dado confirmado por institutos de pesquisa à ocasião.

 

“Quando olhamos para o apoio popular, é inequívoco que houve manifestações massivas, mas também existem indícios de que esse apoio não era necessariamente majoritário da população. Mais recentemente alguns historiadores reencontraram uma pesquisa do Ibope feita às vésperas do golpe de 1964 que indica que havia um respaldo popular bastante significativo ao Jango, inclusive foi perguntado se as pessoas apoiariam um eventual segundo mandato dele, ainda que isso não fosse previsto na lei, e metade da população aprovaria. Não podemos esquecer o comício da Central”, citou, em referência ao ato liderado pelo político deposto em 13 de março de 1964, que reuniu cerca de 200 mil pessoas no Rio de Janeiro.

 

Para que aceitassem a abertura política, os militares impuseram a ampliação irrestrita da lei de anistia promulgada em 1979 por João Figueiredo, que proibia a imputação de crimes no período de repressão aos presos civis. No ‘acordo’, os oficiais das Forças Armadas que atentaram contra os direitos humanos ficariam impunes.

 

Tal condição, na opinião do ex-pesquisador da Comissão da Verdade, teve influência no crescimento de ideais fascistas no país, culminando com a eleição do ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro, defensor inconteste da ditadura, para a Presidência da República:

 

“Parte do que vivemos hoje tem raízes numa escolha da forma como lidamos com um passado ditatorial. Há um contraste muito evidente com as experiências argentina e alemã, que são as duas mais paradigmáticas, de como se deve lidar com o passado de violência. Em torno dessa reflexão se constituiu todo um campo que envolve o direito internacional dos direitos humanos, historiadores, cientistas políticos, sociólogos, antropólogos que vêm refletindo sobre quais mecanismos poderiam apontar para uma superação desses passados traumáticos, e estamos falando da promoção de quatro eixos: a verdade, a memória, a reparação e a justiça”.

 

“Um dos erros da esquerda, que está na raiz da derrota em 1964, é a falta de autonomia dos movimentos sociais em relação ao Estado” – Daniel Aarão Reis

 

Já o ex-presidente da UNE vai além: ele considera que a impunidade originada nos ‘anos de chumbo’ possibilita a ameaça de um novo regime ditatorial no Brasil.

 

“Sempre digo que pode haver a volta dos militares porque não houve qualquer tipo de depuração das Forças Armadas. Nos outros governos ditatoriais na América Latina houve uma limpa, muitos militares foram afastados, punidos, presos, só que aqui não houve rigorosamente sequer uma apuração, arquivos foram destruídos, todo tipo de informação que pudesse levar a alguma acusação foi ocultada”, lamentou Jean Marc.

 

Daniel Aarão Reis

Daniel Aarão Reis

Como sinal do flerte da atual gestão do Palácio do Planalto com o retorno da barbárie, Bolsonaro determinou que os quartéis Brasil afora comemorassem o aniversário de instauração da ditadura, fato prontamente rechaçado pela sociedade civil representada institucionalmente pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União.

 

Para tentar reverter o mal-estar, o presidente disse que o documento assinado pelo Ministério da Defesa e pelas Forças Armadas a ser lido nas unidades militares teria o objetivo de “rememorar” o fato e identificar erros e acertos para o “bem do Brasil no futuro”.

 

As palavras do político do PSL não convenceram o especialista em agricultura, ressaltando o fato de Bolsonaro não se referir aos crimes cometidos durante o regime.

 

“Em relação à história do rememorar versus comemorar, tenho a impressão que as duas coisas são de um eufemismo absurdo. De fato o que estão querendo é festejar, relembrar positivamente e, na ordem do dia, isso é um fenômeno porque eles conseguem dar um pulo na história e passar por cima de tudo e mais alguma coisa. Se fixam muito no momento do golpe para falar que havia um movimento grande contra o governo Jango, que foi o povo que pediu, e de repente dão um pinote para a anistia, e nesse meio do caminho dizem que não houve ditadura”, avaliou.

 

Ouça o debate na íntegra:

 

 

Debate em 29.03.2019

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