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Debate: Carnaval

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Se o caos é sagrado, a alegria é profana. Em uma cidade – e país – à beira do colapso social, onde governantes professam sua fé publicamente e chegam a justificar decisões administrativas baseados em crenças religiosas, o carnaval surge como válvula de escape para os dramas diários e dá voz a um povo historicamente oprimido pelos detentores do capital.

 

Para debater o caráter de protesto da maior festa popular do país, o programa Faixa Livre convidou o historiador e dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB) Heitor César Oliveira, a compositora Manuela Oiticica, a Manu da Cuíca, e o jornalista e compositor Luiz Carlos Máximo.

 

Particularmente no Rio de Janeiro, aos olhos do prefeito e bispo licenciado da Igreja Universal Marcelo Crivella, a realização do carnaval vem sofrendo nos últimos anos, e especialmente em 2019, com dificuldades impostas pelos órgãos públicos.

 

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Luiz Carlos Máximo

A exigência de autorização do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar para o cortejo dos blocos de rua e até mesmo os desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, que antes eram fornecidos com certa tranquilidade, virou um drama de última hora para os envolvidos nos festejos.

 

“O principal papel do poder público é garantir que a festa aconteça, ao contrário do que está acontecendo no Rio de Janeiro, da melhor forma possível. Temos no último período um quadro de grande intervenção do poder público no carnaval tentando visivelmente limitar a festa e dentro de um processo elitização, de privatização inclusive dos espaços públicos, limitando que a festa aconteça de forma mais democrática”, ressaltou Heitor, que também é um dos fundadores do bloco Comuna que Pariu.

 

Há muito os tradicionais desfiles na passarela do samba deixaram de ser um evento ao alcance da maioria pobre da população, inclusive dos moradores das favelas que, em grande medida, fazem o carnaval ‘acontecer’ nos barracões das agremiações.

 

O valor dos ingressos para os festejos são proibitivos. Uma entrada para o setor mais barato da avenida – cadeiras individuais do setor 12 – custam R$ 190, o que confirma a tese de que a passarela do samba é zona restrita a turistas e classes mais abastadas da sociedade.

 

O espaço mais acessível à população é o setor 1, onde os bilhetes são entregues gratuitamente pelas agremiações aos moradores das respectivas comunidades de origem. Ao menos na teoria.

 

“O povão da comunidade está fora das escolas de samba porque elas passaram também a existir para o carnaval. Aquela sociabilidade que havia das rodas de samba, dos festivais de terreiro e outras manifestações foram perdidas” – Lui Carlos Máximo

 

“Todo mundo sabe que, na prática, os ingressos do setor 1 são revendidos na porta do sambódromo pelos integrantes das escolas que recebem. A primeira coisa a se fazer é garantir que o setor 1, que é distribuído para as escolas, de fato seja usado e, neste caso, precisa de uma fiscalização”, apontou Manu.

 

Para mascarar o traço elitizado dos desfiles, a prefeitura do Rio monta todos os anos uma arquibancada tubular em um trecho da Avenida Presidente Vargas, que fica em frente à passarela do samba, de acesso gratuito.

 

“As pessoas falam muito que o carnaval traz lucro, turistas, mas antes disso ele é cultura, e cultura é dever do Estado. O carnaval, tanto o de rua como o carnaval das escolas de samba, é uma atividade cultural do povo carioca”, lembrou Luiz Carlos.

 

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Heitor César Oliveira

Uma das críticas à estrutura do carnaval carioca diz respeito à organização do evento, que fica a cargo da Empresa de Turismo do Município – a Riotur.

 

“O carnaval está nas mãos da Riotur e é visto como uma atividade turística. A partir do momento em que ele é visto como atividade turística, você entende porque uma frisa é vendida pelo dobro do preço em uma agência de turismo. Um dos peitos de pessoas envolvidas com escolas de samba é que o carnaval seja entendido como uma manifestação cultural e que, portanto, esteja submetido à secretaria de cultura. A partir desse guarda-chuva de cultura a gente consegue pensar com mais facilidade em como, de fato, essa festa pode se efetivar como popular”, destacou a compsitora.

 

Atualmente o carnaval é a festa mais lucrativa do país no ano. Estimativas da Fundação Getúlio Vargas indicam que o evento movimentou, em 2018, no Rio de Janeiro cerca de R$ 3,2 bilhões. A cidade recebeu aproximadamente 1,2 milhões de turistas.

 

Apesar das cifras vultosas, a prefeitura vem diminuindo ano após ano a subvenção às escolas de samba. Em 2017, cada agremiação recebia R$ 2 milhões da Riotur, valor que chegou a apenas R$ 500 mil neste carnaval.

 

“Os Guardas Municipais ficam como verdadeiros fiscais de venda da Ambev reprimindo os ambulantes nos blocos” – Manuela Oiticica

 

As entidades envolvidas nos desfiles suspeitam dos dados financeiros divulgados e repassados pelos órgãos públicos. Outro fator que gera polêmica para Luiz Carlos são as condições de segurança no espaço onde é desenvolvido o carnaval.

 

“A relação que existe entre essa subvenção da prefeitura com as escolas de samba é uma caixa preta, não sabemos, não há nenhuma transparência. Outra questão é a relação de trabalho dentro do barracão da cidade do samba, ninguém sabe como é aquilo. É necessária a participação do poder público monitorando inclusive a venda de ingressos dos desfiles na Sapucaí”, avisou.

 

“Um carnaval, digamos assim, mais formal, das escolas de samba, tem de fato que ter uma maior transparência, a maneira como são repassados os recursos para as escolas de samba, como não é repassado em grande quantidade às escolas do grupo de acesso. É necessária uma relação mais democratizada e aberta sobre uma maior transparência inclusive do controle popular sobre a festa”, completou Heitor.

 

A Câmara Municipal do Rio de Janeiro instituiu, em 2017, uma Comissão Especial de Carnaval, presidida pelo vereador Tarcísio Motta (PSOL), com o intuito de fiscalizar e propor reformulações ao evento através de relatórios anuais.

 

O tom político nos festejos, aliás, tem invadido a Marquês de Sapucaí. No último desfile, a Paraíso do Tuiuti fez uma crítica direta ao governo de Michel Temer, condenando a reforma trabalhista e mandando à avenida um destaque fantasiado de ‘vampiro-presidente’.

 

“Os grandes eventos foram afastados concretamente de grande parcela da população trabalhadora, da população mais pobre da cidade” – Heitor César Oliveira

 

Manuela Oiticica

Manuela Oiticica

A Estação Primeira de Mangueira foi além com um enredo em que reclamava do corte de verbas municipais para o carnaval, com Crivella representado em um boneco de Judas com a seguinte frase: ‘Prefeito, pecado é não brincar o carnaval’.

 

Este ano, a verde e rosa promete manter o nível do discurso com um samba que homenageia, entre outros, a vereadora Marielle Franco, brutalmente executada junto com seu motorista Anderson Gomes, em um crime ainda não desvendado.

 

O enredo ‘História pra ninar gente grande’, que foi transformado em ‘História que a história não conta’ tem Manu da Cuíca como uma das compositoras e faz uma narrativa das páginas ausentes da trajetória do país.

 

“Trata-se de um enredo que fala sobre a história do Brasil um pouco mais próxima do que aconteceu, tivemos menos reis, princesas e rainhas interferindo do que se conta por aí. Uma história muito mais de luta, insurgências, com protagonismo de negros, mulheres, índios, e isso está colocado no enredo do Leandro Vieira e também no nosso samba. Diante de um enredo em que se fala muito do silenciamento da mulher, os espaços que esse samba foi ganhando é muito legal porque ele é tocado hoje em escolas municipais, particulares, em universidades”, comemorou a compositora.

 

Ouça o debate na íntegra:

 

 

Debate em 01.03.2019

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