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Debate: Como evitar crimes ambientais?

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Passada uma semana da tragédia na barragem de minério da Vale que se rompeu em Brumadinho (MG), deixando um rastro de destruição e mortes, sobram dúvidas sobre o estado de conservação dos reservatórios de água e rejeitos por todo país.

 

O que pode ser feito para que crimes ambientais como este não se repitam? O programa Faixa Livre convidou para debater o tema o professor de engenharia de barragens da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Alberto Sayão, a coordenadora da ONG Justiça Global Melisandra Trentin e o membro do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração Carlos Bittencourt.

 

Ao que tudo indica, o incidente semelhante na cidade de Mariana, em 2015, não deixou lições. Na ocasião, o rompimento da barragem de Fundão, no distrito de Bento Rodrigues, deixou 19 mortos e espalhou quase 44 milhões de m³ de lama da mineradora Samarco.

 

Melisandra Trentin

Melisandra Trentin

“A gente já vem convivendo com esse tipo de coisa. Infelizmente essa já está se tornando uma rotina na história do Brasil, especialmente de Minas Gerais, e Mariana não significou um aprendizado. Parece que as repercussões de Brumadinho, as próprias respostas ainda midiáticas do presidente da Vale, mostram que pelo menos a respeito da questão das barragens com alteamento a montante pode haver modificação”, ponderou o dirigente do Comitê.

 

É justamente o método de construção das barragens que está em cheque após os desastres. Em ambos os casos onde houve a ruptura, foi utilizado o modelo a montante, mais barato e que oferece menor segurança. Neste formato, a barragem vai crescendo em forma de degraus para dentro do reservatório utilizando o próprio rejeito do processo de beneficiamento do minério.

 

No Chile, este processo construtivo é proibido. Quando foi licenciada, na década de 1970, a construção do dique em Brumadinho tinha autorização para chegar até 18 metros de altura. Após o último licenciamento, em 2018, tinha aproximadamente 86 metros, mas não recebia mais rejeitos há quatro anos.

 

“A saída rápida dos militares israelenses de Brumadinho evidenciou uma jogada política e midiática de aproximação governamental” – Carlos Bittencourt

 

A maior barragem brasileira de rejeitos tem altura que ultrapassa os 100 metros para assegurar a contenção da lama resultante da produção de ouro em Paracatu, noroeste de Minas Gerais. Estudos apontam que, nas últimas três décadas, as barragens de rejeitos no Brasil elevaram em duas vezes a sua altura máxima, enquanto o volume dos reservatórios se expandiu em 10 vezes.

 

“Essas duas coisas se juntam pela definição formal de engenharia de risco: quanto mais volume, maior será o dano se houver ruptura. Então quando as duas coisas se multiplicam, o risco de acidente dessas barragens de rejeitos aumenta em média 20 vezes a cada 30 anos no país. Temos de conviver com isso, cada vez mais estamos com maiores riscos”, diagnosticou Alberto.

 

Um dos principais problemas apontados por especialistas é a fiscalização desse tipo de construção. Atualmente as barragens de minério no país são vistoriadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM).

 

De acordo com números da agência, há 717 estruturas que reservam rejeitos, sendo que 88 delas utilizam método de alteamento a montante ou desconhecido. O dado alarmante é que 43 barragens têm classificação de alto dano potencial associado.

 

“Se acabarmos com as barragens, não teremos água, eletricidade, minério e exportação. Sou favorável a fazer barragens da maneira correta, calculando e minimizando os riscos” – Alberto Sayão

 

“Sabemos que a fiscalização desse tipo de barragem, e não só das barragens como de toda a infraestrutura, até logística da mineração, não é adequada. Isso começa desde os procedimentos de licenciamento ambiental, da consulta que deve ser feita às comunidades, as audiências públicas, há muitos projetos para flexibilização desses procedimentos de licenciamento ambiental abrindo caminho para que as empresas possam ocupar maior território e degradar o meio ambiente E isso tende a piorar porque temos propostas de enfraquecimento dos órgãos públicos como o Ibama, a Funai, o Incra”, lembrou Melisandra.

 

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Carlos Bittencourt

A estrutura da ANM para fiscalizar todas as barragens é insuficiente, como apontou um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). A auditoria indicou que a agência conta com apenas 74 funcionários em Minas Gerais, 20% do pessoal necessário para atender à demanda.

 

E o déficit vem de longe. Em 2016, o Tribunal emitiu um parecer ressaltando a necessidade de 384 fiscais no antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), responsável pelo controle à época. Contudo, somente 79 estavam à disposição do órgão.

 

“É uma questão de custo, o Governo Federal alega que não tinha dinheiro para se preparar, colocar gente, equipamento, carros, aeronaves, helicópteros para fazer a fiscalização. Não há uma estrutura de fiscalização bem preparada, é preciso pensar nisso agora”, destacou o professor de engenharia de barragens.

 

O atendimento aos critérios de segurança mais rígidos dessas construções esbarra nos interesses econômicos das mineradoras. A exportação de ferro, principal mercado para o insumo no país, vem sofrendo com a instabilidade da cotação nos últimos anos.

 

Em 2012, o Brasil exportou 326 milhões de toneladas do metal, número que cresceu para 374 milhões quatro anos depois. Apesar do aumento nas vendas para o exterior, os ganhos das empresas caíram a menos da metade, pois o valor da matéria-prima despencou. Dos US$ 31 milhões arrecadados pelas mineradoras nacionais na primeira medição, os lucros passaram a apenas US$ 13 milhões em 2016.

 

“Não vamos melhorar nem o meio ambiente e nem a violação de direitos humanos com campanha publicitária. Precisamos de outros tipos de ação mais efetivas” – Melisandra Trentin

 

“Isso significa um paradoxo para a própria lei da oferta e da procura. Os preços caem e você amplia a exportação. Há uma pressão muito profunda sobre essa necessidade de se reduzir custos, de como você pode garantir uma exploração com maior quantidade e preço reduzido”, pontuou Carlos.

 

A legislação brasileira que trata da exploração mineral vem se degradando ao longo dos anos em velocidade maior que as próprias barragens de rejeitos. No fim do século passado, há dois marcos deste processo: em 1996, o Código de Mineração sofreu 126 emendas que facilitaram a legalização das minas.

 

“A partir daí, um próprio técnico do Departamento Nacional de Produção Mineral dava um parecer. Antes era necessário que o Presidente da República autorizasse a exploração em uma mina”, destacou o membro do Comitê.

 

Alberto Sayão

Alberto Sayão

No mesmo ano, houve um novo agravante destacado pelo diretor: “Foi aprovada a Lei Kandir, que jogava o peso das exportações, aquele giro neoliberal da década de 1990 que fazia com que o processo de desindustrialização fosse apoiado na expansão da exportação de minérios e agropecuários em geral, então há uma estrutura econômica que já força isso”.

 

O Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente á Mineração divulgou um levantamento onde foi avaliado o financiamento de campanhas de políticos no Congresso nas eleições de 2010 e 2014. Os resultados causaram espanto.

 

“O lobby na mineração é poderoso. Existia uma bancada de parlamentares da mineração e, para nossa surpresa, o relator do código de mineração era o principal financiado das mineradoras: o Leonardo Quintão, que hoje ocupa um papel importante na Casa Civil do Bolsonaro, já vinha indicando pessoas para a Agência Nacional de Mineração, ou seja, há uma porta giratória entre o governo e as empresas muito forte”, citou Carlos.

 

Para evitar que novos desastres ambientais e humanos ocorram, há projetos em andamento que visam a extinção desta modalidade de armazenamento de rejeitos de mineração desde antes do incidente em Mariana.

 

“Já existem iniciativas, há alguns programas como o ‘Barragem zero’, se não me engano de 2010, planos para o fechamento de barragens, não é algo desconhecido. E depois do rompimento da barragem de Fundão, também tem o ‘Mar de lama nunca mais’. Desde essa época a barragem do córrego de feijão já aparecia como prioritária para o fechamento”, encerrou Melisandra.

 

Ouça o debate na íntegra:

 

 

Debate em 01.02.2019

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