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Debates especiais de fim de ano: Brasil

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Os prognósticos no final do ano passado, após as eleições que alçaram Jair Bolsonaro à Presidência da República, eram de apreensão em relação ao que seria a gestão do ex-capitão do Exército. No entanto, com quase 365 dias de mandato, o que se constata é um cenário de desmonte das estruturas sociais, com entrega das estatais, reformas que apenam os estratos mais pobres da população e políticas que reafirmam o caráter de ignorância e subserviência que se estabeleceu no Palácio do Planalto.

 

O panorama é amplificado por uma espécie de paralisia das forças de oposição, que aguardam placidamente o pleito de 2022 para estabelecer a disputa pelo poder político institucional, sem impor resistência, permitindo que as pautas regressivas avancem no Poder Legislativo. Além disso, o Judiciário parece fechar os olhos para determinadas atitudes da cúpula da administração federal que atentam contra a Constituição.

 

Com objetivo de tentar entender o fenômeno do bolsonarismo, que entorpeceu boa parte da coletividade nacional, mas, ao mesmo tempo, desconstruiu a imagem de ‘salvador da pátria’ para a maioria, e projetar 2020, o programa Faixa Livre inicia sua tradição de debates especiais de fim de ano com as presenças do professor de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Chico Alencar, o cientista político e diretor de Relações Institucionais do Instituto de Brasilidade Daniel Kosinski e o professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniel Aarão Reis.

 

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Daniel Kosinski

Resumir o momento político e social brasileiro em uma expressão não é tarefa simples, mas Chico Alencar participou de uma dinâmica com essa intenção em um encontro de teólogos, em Mendes, no interior do Rio de Janeiro.

 

“As palavras mais pronunciadas foram desencanto, desânimo e retrocesso. Em outra etapa, que perguntava sua palavra para 2020, o que predominou foi resistência, luta e ânimo. Esse ano foi talvez aquele, depois que nos livramos da repressão, que haja um governo assumidamente aderente aos mecanismos e aos contravalores da ditadura”, avaliou.

 

“Agora o que a gente vê do presidente da República e de alguns ministros, inclusive o da Economia, é o sonho da ditadura, o desejo do regime autoritário. Há um processo de fechamento do regime em curso e desmonte das poucas conquistas democráticas que tivemos. O grande ‘tchan’ do Bolsonaro foi conseguir se vender como antissistema, quando ele é arraigadamente à direita do sistema. Nunca se insurgiu contra nada, inclusive contra a corrupção sistêmica, apoiou [Eduardo] Cunha abertamente. É duro você ver que esse grau de ilusão eleitoral teve tanto êxito”, continuou o docente.

 

É notório que a construção do processo que guindou Bolsonaro ao cargo máximo da República contou com o componente do antipetismo, potencializado pelos escândalos de corrupção apontados pela operação Lava Jato, e a forte influência eleitoral das notícias falsas, as fake news, até então desconhecidas no país, mas que já vinham ponteando pleitos mundo afora.

 

Entretanto, o entendimento pleno do que foi conduzido no último ano objetivando a produção de um ‘antídoto’ para o futuro é algo do qual a esquerda ainda carece, na opinião do professor da UFF.

 

“A conjuntura imediatamente posterior à vitória do Bolsonaro teve um quadro de muita sinistrose e atordoamento. Penso que até os dias atuais isso, em grande medida, ainda continua prevalecendo. É muito comum você encontrar nos debates a respeito do governo o termo loucura, como se as pessoas estivessem digerindo sem entender direito como pode, por exemplo, o ministro da Educação declarar que as universidades públicas têm plantação de maconha e produções de anfetamina”, disse.

 

Daniel Aarão Reis

Daniel Aarão Reis

“O grande desafio desde o início, e ele se mantém, é o fato de que faltam análises a respeito do que significa o bolsonarismo. Estamos diante da ascensão de um fenômeno que foi captado, mas não com a devida profundidade desde 2013, naquelas manifestações em que as direitas recuperaram presença na rua e, a partir daí, vem se desenvolvendo um processo que culminou com a eleição do Bolsonaro, um fenômeno que não é só nacional, é mundial. Tem especificidades nacionais que precisam ser destrinchadas, estamos diante de um ator que vai perdurar no tempo, então ele precisa ser analisado”, comentou Aarão.

 

Se por um lado a tragédia da gestão superou as expectativas, por outro, o desajuste interno do governo também surpreendeu. As polêmicas iniciaram logo nos primeiros meses de mandato, quando um desentendimento com Carlos Bolsonaro, filho do mandatário, derrubou o então ministro da Secretaria-Geral da Presidência e articulador da campanha presidencial Gustavo Bebianno.

 

A desavença se deu por conta das denúncias de candidaturas laranja do PSL, então partido do ex-capitão do Exército, no pleito de 2018. As declarações estapafúrdias e as indisposições no interior da legenda prosseguiram até o anúncio da desfiliação de Jair Bolsonaro e a fundação do Aliança pelo Brasil, que ainda carece da coleta de assinaturas da população para ser confirmado pela Justiça Eleitoral.

 

“Eu tinha a impressão, logo depois do resultado das eleições, que talvez fosse uma derrota para 10, 15 anos de recuperação pela contundência que ela teve, mas não imaginava que o governo seria essa bagunça que estamos vivendo. Não há nenhuma coesão. Era um grupo de pessoas de origem, posições diversas, embora convergindo em um programa ultraconservador, que se uniram para propósitos eleitorais e hoje estão brigando. Esses desenganos do lado de lá podem contribuir para que a gente recupere uma legitimidade”, citou Kosinski.

 

A falta de organização que se dá no campo da direita pode ser vista também entre os partidos progressistas. A disputa é representada em especial entre Ciro Gomes e o ex-presidente Lula. Desde as últimas eleições, o pedetista vem atacando o Partido dos Trabalhadores e sequer apoiou Fernando Haddad no segundo turno. As agressões se ampliaram e, em declarações recentes, o ex-governador do Ceará chegou a afirmar que o petista prefere Bolsonaro a ele.

 

Ainda que admita um exagero no tom das críticas, o diretor do Instituto de Brasilidade acredita que o plano de Ciro para 2022 seja o de buscar uma saída para a polarização entre direita e esquerda que se estabeleceu.

 

Chico Alencar

Chico Alencar

“Ele está tentando alargar as bases, ir para o centro, talvez até para os setores mais à direita. Vejo ele colocando isso de forma clara e honesta, goste-se ou não, ele vê dessa maneira. O Brasil hoje não cabe em um projeto de esquerda. Gostaria que coubesse, mas também acho que não cabe. Ele coloca isso de forma muito clara e acho que foi quem melhor colocou na campanha de 2018. Ciro está apresentando pelo menos um esboço desse projeto nacional”, disse.

 

Os diferentes programas de governo e a ausência de coesão entre as legendas de esquerda, apesar de dificultarem a disputa institucional, não oferecem risco para a manutenção da oposição à administração Bolsonaro, de acordo com Chico.

 

“O campo progressista atende comportar essas diferenças, mas ele não está constituído como fórum. Há muita resistência, muita coisa acontecendo e o sistema já se desgastou. O bolsonarismo tem não só fissuras, mas desgaste na sua própria base popular porque é inegável, eles têm base popular. Bolsonaro é um populista de extrema-direita, ele tem esse lado brincalhão que ameniza um pouco as opiniões autoritárias, as piadinhas homofóbicas e racistas. Isso dá empatia popular. O bicho é duro de vencer, mas há fissuras na muralha”, destacou.

 

Ouça o debate na íntegra:

 

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