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Editorial – 18.04.2019

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O suicídio ontem do ex-presidente Alan Garcia, no Peru, expõe de forma dramática as consequências de um processo que especialmente na primeira década do século XXI mostrou a capacidade da empresa Odebrecht em expandir os seus negócios principalmente pela América Latina, mas não somente porque há informações de seus próprios executivos a respeito de processos de corrupção inclusive em países da África.

 

Mas aqui na América Latina, por exemplo, o Marcelo Odebrecht já confessou a um grupo de procuradores, inclusive envolvendo procuradores não somente do Brasil, mas também do próprio Peru, que a empresa apoiou todos os candidatos presidenciais no Peru, todos os partidos e provavelmente várias eleições de congressistas e ainda completou: ‘Assim funciona América Latina inteira’.

 

Qual América Latina que Marcelo Odebrecht está se referindo? Evidentemente a partidos de esquerda, de centro-esquerda que estiveram no governo justamente nesse último período histórico onde, para muitos, a América Latina esteve sob comando de partido de esquerda e que procuravam romper com o neoliberalismo. Antes fosse. Na verdade, me parece que aqui na América Latina tivemos uma oportunidade histórica gigantesca, principalmente aqui no Brasil, afinal de contas a chegada de Lula ao Governo Central em 2003 representou a vitória de uma geração que desde os anos 1960 procurava caminhos para um novo tipo de desenvolvimento na América Latina, um desenvolvimento que viesse a contemplar as maiorias.

 

Mais do que isso, Lula chega ao Governo Central do Brasil apoiado em fortes movimentos sociais como o MST e experiências partidárias de alguma forma inéditas como é o caso da história do Partido dos Trabalhadores. Entretanto, claramente na medida em que o próprio PT e o Lula foram se fortalecendo, eles também foram sendo envolvidos pelo jogo institucional, o jogo jogado inclusive pela política tradicional aqui no Brasil e uma vez no governo, Lula teve um papel muito importante à frente desses governos apresentados como de centro-esquerda ou de reformismo fraco.

 

O problema é que a tentação maior foi de avançar nas suas posições procurando claramente uma conciliação com as elites dominantes, e é nesse sentido que me parece não somente os governos do Lula, como outros governos da América Latina foram se aproximando de empresas poderosas, multinacionais dos seus respectivos países e particularmente aqui do Brasil para expansão de negócios pela América Latina.

 

Ora, infelizmente o que observamos é que essas empresas, especialmente a construtora brasileira, usaram e abusaram do seu poder de corrupção para empolgar os novos governantes, o reformismo fraco cedeu na verdade à tentação de realizações, principalmente no campo das obras físicas, que poderiam impactar o eleitorado e aumentar a sua popularidade. Isso significou, na prática, o abandono de perspectivas de transformações estruturais mais profundas.

 

Nós tínhamos, na verdade, que ensejar uma nova integração latino-americana a partir inclusive das necessidades prementes dos nossos povos, e não das perspectivas de expansão de negócios de multinacionais latino-americanas, como é o caso da Odebrecht. Na verdade, o caminho escolhido não só pelo governo brasileiro, governo reformista de Lula, mas como outras experiências de governo reformistas pela América Latina procuraram na verdade aquela velha fórmula de fazer omelete sem quebrar os ovos. Isso é impossível.

 

Havia necessidade de se enfrentar o poder econômico estabelecido e foi esse o caminho que se procurou evitar através de programas e políticas de conciliação, mas que não afetavam a questão estrutural do nosso país ou dos nossos países. E qual é a questão estrutural principal? É a dependência às oscilações da economia internacional. Nós precisamos criar uma dinâmica própria nos nossos países guiada justamente por medidas econômicas e por empresas que tenham condições de internalizar o nosso desenvolvimento e não ampliar a dependência do nosso desenvolvimento a capitais, tecnologia estrangeira, principalmente vindos dos Estados Unidos ou da Europa, ou mesmo hoje da Ásia.

 

Infelizmente nós precisamos engendrar aqui no nosso continente processos próprios de desenvolvimento e onde a questão da vulnerabilidade externa seja atacada, fazendo com que políticas internas diminuam a nossa dependência de capitais, de tecnologia estrangeira e passamos a cultivar essas prerrogativas e necessidade do desenvolvimento a partir das nossas próprias forças. Sem isso, sempre estaremos sujeitos às pressões de grupos empresariais como a própria Odebrecht e principalmente comprometendo inclusive a imagem ética de governos de centro-esquerda que nasceram para alterar a correlação de forças no nosso país, nos nossos países, mudar a estrutura produtiva e não simplesmente conciliar com a ordem anterior e nos expor a situações absolutamente graves como essa do suicídio de Alan Garcia.

 

Isso culmina um processo que precisa ainda de uma autocrítica mais forte dos partidos que estiveram à frente dessas experiências, mas isso, ao menos aqui no Brasil, está longe de ser obtido. Na verdade, há uma resistência muito grande em se admitir erros básicos que foram cometidos nesses 13 anos de governo do PT e que infelizmente se espraiaram pela nossa América Latina e mesmo por países da África. É lamentável isso, precisamos aprender sim com nossos erros, mesmo que tenhamos sido críticos aos processos que se desenvolveram nessa primeira década e início da segunda década deste século XXI aqui na América Latina. Eu espero que fique a lição.

 

Ouça o comentário de Paulo Passarinho:

 

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