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Editorial – 26.03.2020

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O que assistimos na noite de terça-feira, a partir do pronunciamento de Bolsonaro, provocou revolta e perplexidade em muitos.

 

Contudo, o que vimos foi apenas mais um dos exemplos da total situação de excepcionalidade institucional que estamos vivendo desde o início da campanha de desestabilização do governo Dilma, passando pelo seu impeachment e culminando com um processo eleitoral, eivado de irregularidades e ilicitudes, que acabou por levar um parlamentar de péssima conduta, ligado a milícias cariocas e matadores de aluguel, ao posto de Chefe de Estado brasileiro.

 

Mais grave: a ascensão eleitoral meteórica do candidato presidencial Jair Bolsonaro não teria sido possível sem o decisivo apoio do Comandante do Exército, nos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer, o general Eduardo Villas Bôas.

 

Isto não é uma ilação. Quem deixou isto absolutamente claro foi o senhor Bolsonaro, já empossado como presidente da República, por ocasião da posse do Ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo e Silva. Foram essas as palavras de Bolsonaro, na ocasião: “Meu muito obrigado, comandante Villas Bôas. O que nós já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”.

 

Ora, o que isso significa? O que representa um alto dirigente do Poder Executivo, no exercício do seu cargo, ter tido um importante papel na eleição de um candidato da oposição para o cargo de presidente da República?

 

Como isso pode ter passado despercebido do Tribunal Superior Eleitoral ou da própria oposição ao atual governo? Qual o conteúdo dessa conversa do atual presidente com o ex-comandante do Exército, que Bolsonaro declara que “morrerá entre nós”?

 

Além disso, há de se observar que Fernando Azevedo e Silva, no ano eleitoral de 2018, foi nomeado como assessor de Antonio Dias Toffoli, quinze dias após a sua posse como Presidente do STF, a partir de sugestão justamente do então comandante do Exército, o general Villas Bôas, de acordo com o Jornal Folha de S. Paulo.

 

Villas Bôas, também, é importante lembrar, foi o responsável por um tuíte nas redes sociais, em 3 de abril de 2018, quando o Supremo discutia a possibilidade de um habeas corpus que poderia evitar a prisão do ex-presidente Lula, com o seguinte teor: “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais? Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.

 

Novamente, cabe a pergunta: como o Supremo, ou o Tribunal Superior Eleitoral, permitiram que um alto dirigente do Poder Executivo se manifestasse dessa maneira, sem ter tomado nenhum tipo de providência? O mesmo TSE que pelas palavras do ministro Luiz Fux, então na presidência desse tribunal, prometeu ações enérgicas contra a difusão das chamadas fake news – notícias falsas – em uma eleição justamente marcada pelo escândalo da difusão de mensagens, memes e notícias absurdas, com forte impacto na formação de opiniões e no comportamento dos eleitores. Notícias falsas que hoje sabemos, graças à imprensa e à própria CPMI das fake news, beneficiaram o então candidato Bolsonaro, através de difusão das mesmas por empresas estrangeiras, financiadas por caixa 2 de empresas brasileiras e produzidas em escala industrial, dentro de técnicas típicas das chamadas “guerras híbridas”, em geral de domínio de serviços de inteligência militar.

 

Curiosamente, o Tribunal Superior Eleitoral até o momento não tomou nenhum tipo de providência contra esses absurdos evidentes, nem tampouco prestou nenhum tipo de esclarecimento sobre esses fatos.

 

Todas essas situações aqui lembradas, mostram que Bolsonaro não estava e não está somente apoiado por grupos milicianos, matadores de aluguel e adeptos da violência em geral.

 

Infelizmente, a alta cúpula do Exército estava e continua ao seu lado. Villas Bôas hoje é assessor do Gabinete de Segurança Institucional, comandado pelo general Augusto Heleno – considerado um dos oficiais de maior prestígio da sua geração – e o general Azevedo e Silva é o Ministro da Defesa. Além disso, levantamentos diversos mostram que mais de 2.000 militares passaram a ocupar cargos de confiança no atual governo.

 

Curiosamente, também, essa geração de oficiais generais é contemporânea de Bolsonaro, dos seus tempos da sua curtíssima carreira militar. Todos se recordam e têm domínio das razões que levaram o Conselho de Justificação a que ele foi submetido – por indisciplina grave – a considerá-lo culpado, de forma unânime, por ter tido “conduta irregular e praticado atos que afetam a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro de classe”. Antigos comandantes do “capitão” e autoridades militares da época não pouparam adjetivos altamente comprometedores em relação a Bolsonaro, no curso desse processo.

 

O que levou e leva essa geração a cerrar fileiras com o desclassificado “capitão”? Se há algum segmento social no país com conhecimento da personalidade de Bolsonaro e seus princípios morais e éticos – todos reprováveis – esse é justamente esta geração atual de oficiais generais que  desde os seus tempos de Academia Militar das Agulhas Negras, conviveu com as suas graves características, tão bem descritas no seu processo disciplinar promovido pelo já mencionado Conselho de Justificação.

 

Nesse momento em que Bolsonaro, no alto do seu cargo, volta a insultar instituições, desacreditar orientações sanitárias da OMS, radicalizar o seu discurso de ódio, promover a cizânia entre os seus próprios pares e aliados de ontem, como são os casos dos governadores do Rio e de São Paulo, cabe a pergunta: por que oficiais generais, educados para a defesa da Nação, continuam a se colocar ao lado de um irresponsável e provocador?

 

A resposta talvez se encontre naquilo que é a prioridade de bancos, multinacionais, grupos de comunicação do país e, infelizmente, da própria atual elite militar do Brasil: o programa liberal radical, que tem como objetivo “destruir”, de acordo com Bolsonaro, ou, nas palavras do vice Mourão, o “desmanche”. Destruir ou desmanchar o esforço de gerações passadas em dar um mínimo de condições ao Estado brasileiro para promover uma vida digna a todos nós e construir uma estrutura econômica nacional menos dependente de outras nações.

 

Os efeitos dessa pandemia ao redor do mundo farão com que o papel do Estado volte a ser visto, mesmo na seara liberal, como essencial na construção de sociedades mais equilibradas, menos desiguais e mais justas socialmente. Isto se confronta com tudo o que vem sendo defendido no Brasil, pelas nossas classes dominantes, há quase 30 anos.

 

Ao procurar afrontar todas as recomendações que buscam prevenir a nossa população de uma tragédia iminente ou quase inevitável – dadas as péssimas condições de vida da esmagadora maioria da população e a emergência de uma situação onde poderemos ter uma sinistra combinação de mortes de milhares e fome de milhões – seria o caos a ser instalado funcional para a implantação de um regime de força, com tanques nas ruas, repressão generalizada e a violência institucional legitimada, a pretexto da manutenção da ordem, mas com o objetivo maior de viabilizar o insano programa de reformas?

 

Ou detemos nesse momento essa escalada absurda ou dias de imensa tragédia irão se impor entre nós.

 

E nesse ponto, cabe uma última pergunta, baseada no próprio tuíte intimidador do general Villas Bôas, na ocasião dirigido aos membros do STF – “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais? Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.

 

Haverá, nesse momento, alguma coerência com essas palavras?

 

Ouça o comentário de Paulo Passarinho:

 

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