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Ações no Supremo contra Bolsonaro

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Por Bernardo Campinho*

 

Prezados ouvintes e equipe do programa Faixa Livre, venho falar um pouco sobre Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 672, com pedido de medida cautelar ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil junto ao Supremo Tribunal Federal tentando impugnar uma série de ações e determinar também a configuração de omissões do poder público em relação ao enfrentamento, no Brasil, da pandemia de Covid-19, o famoso coronavírus, e a doença dele decorrente.

 

Essa ação é uma tentativa de levar a Presidência da República a uma atuação compatível com os protocolos técnicos sanitários determinados pela Organização Mundial de Saúde, pela Organização Pan-americana de Saúde, no enfrentamento da pandemia de Covid-19, a doença que, neste momento em que falo, já se aproxima da marca de um milhão de pessoas infectadas, matando milhares de pessoas em mais de 180 países, tendo, neste momento, seu epicentro nos Estados Unidos, mas já contando, no momento da minha fala, com mais de 7 mil pessoas infectadas e em torno de 200 mortes no Brasil.

 

Quais são as bases desta ação? Em primeiro lugar, a ação tem por objetivo obrigar o presidente da República a aderir às políticas de isolamento social recomendadas como forma mais eficaz de enfrentamento da pandemia de Covid-19, conforme reconhecido pela Organização Mundial da Saúde. Observe-se que a OMS em si não recomenda diretamente o isolamento social. A OMS estabelece alguns protocolos sobre distanciamento social e considera oportuno, de acordo com as condições de cada país, a adoção deste tipo de política.

 

Vamos lembrar que a China, onde nasceu e de onde se propagou essa infecção, não adotou uma política de isolamento social horizontal nacional, ela isolou a cidade de Wuhan e a província de Hubei e impediu deslocamentos, além de impor um protocolo rígido de distanciamento social nos grandes centros urbanos do país. A Coreia do Sul usou testagem de massas, mas embora não seja compulsório, a OMS tem endossado com bons olhos essa política e tem sido extremamente eficaz em uma série de países para achatar a curva de infecção e propagação da Covid-19.

 

A questão aqui não é a infecção não ocorrer. Todos, com o tempo, ou a grande maioria da população, será infectada. A questão é que a velocidade de propagação da Covid-19 é muito maior do que outras doenças relacionadas à mesma família. É possível que ao final do mês de abril, ela tenha infectado, em seis meses, o que a chamada gripe suína, a H1N1, de 2009 a 2010, infectou em dois anos.

 

A importância de achatar a curva é justamente para enfrentar essa pandemia com a manutenção da sustentabilidade dos sistemas de saúde dos países afetados, a disponibilidade de leitos e do sistema de saúde em reagir adequadamente porque uma curva de progressão muito acentuada até o ápice pode levar a uma falência do sistema de saúde, que, junto com a Covid-19, poderia também não atender a outros tipos de doenças, gerando um caos social e político muito maior.

 

Então esse é o objetivo central das políticas de isolamento social, diluir a curva enquanto ocorre a administração da população e enquanto não se inventa uma vacina. Então a ação da OAB tem, por objetivo, obrigar o poder público federal, particularmente a Presidência da República, a se moldar às políticas de isolamento social recomendadas ou endossadas não só pela OMS, mas pela maior parte da literatura científica disponível até esse momento em relação à doença do coronavírus. Temos, portanto, um dos objetivos da ação baseados nisso e é uma reação que a OAB traz contra as incursões públicas, as saídas que o presidente da República tem exercido desde 15 de março, quando encontrou seus apoiadores na manifestação em prol do seu governo.

 

Então a ação tem três objetivos muito claros: Primeiro, obrigar o presidente da República a aderir às políticas de isolamento social, como previstas na lei 13979 de 2020, mas, acima de tudo, respeitar a atuação não só dos técnicos do Ministério da Saúde, como de outros atores públicos, no caso os governadores e prefeitos, que têm determinado políticas de isolamento social no âmbito de suas atuações territoriais e também que têm atuado pelo fechamento do comércio e limitação da atividade econômica como forma de diminuir a propagação do vírus.

 

Este conjunto de ações e omissões passa, em primeiro lugar, por obrigar o presidente da República a obedecer aos protocolos de distanciamento social e preservação da OMS, não interferir na atividade dos técnicos do Ministério da Saúde e defender a atuação de outros entes políticos da federação brasileira, os estados e municípios, nas suas políticas de isolamento social e de enfrentamento à pandemia da Covid-19. Também se alega violação à constituição da campanha ‘O Brasil não pode parar’, se pede a responsabilização do presidente e a interrupção da campanha com a exclusão de qualquer peça nesse sentido.

 

É uma ação que visa obrigar o presidente da República a aderir, no âmbito do Governo Federal, às políticas de isolamento social e quarentena, a se abster de interferir na ação de outros em entes federados, a respeitar a atuação dos técnicos do Ministério da Saúde e, finalmente, também a implementar de imediato os benefícios emergenciais para os desempregados, a agenda básica emergencial aprovada de R$ 600, assim como inclusão imediata de famílias que estão na fila do cadastro do Bolsa Família.

 

Há, portanto, pedidos de naturezas muito variadas, passando por medidas de abstenção, de não praticar certos comportamentos, como também impor o dever de agir porque a renda básica foi aprovada pelo Congresso, mas o presidente, não obstante de não ter sancionado, agora se ampara em tese da necessidade de ora uma emenda constitucional, ora é medida provisória, que o Congresso aprove uma despesa extraordinária, quando o próprio Supremo Tribunal Federal, na sexta-feira, dia 27, conseguiu que o STF afastasse as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que impediam a contratação de uma despesa sem a demonstração da respectiva receita ou sem abertura de um crédito extraordinário.

 

É uma ação audaciosa e complexa porque ela lida com questões relativas a separação de poder, a equilíbrio federativo, que, em situações normais, seriam dificilmente agasalhadas pelo Poder Judiciário, na medida em que isso implicaria uma interferência extremamente excessiva na gestão que o presidente da República faz do país ou na sua relação com outros entes federados.

 

No entanto, diante do atual cenário e com uma conduta reiterada de ações e omissões danosas ao enfrentamento da pandemia de Covid-19, a OAB entendeu que essa ação seria um dos caminhos válidos para vincular a União a uma conduta que permita o pagamento imediato dos benefícios, visto que não haveria razões jurídicas para postergar esse pagamento justamente porque foi uma renda básica emergencial aprovada pelo Congresso, a inclusão imediata por cautela de todas as pessoas que estão no cadastro da fila de espera do Bolsa Família, essas medidas acho que são mais palatáveis, é possível que o Supremo as determine de imediato.

 

Também se estabeleceu que o presidente da República não pode veicular uma campanha contra as políticas de isolamento social dos governadores ou não pode adotar políticas que contrariem os decretos estaduais e municipais que determinam quarentena, o fechamento do comércio.

 

Acredito que esse ponto da decisão pode chegar e o presidente, caso descumpra a decisão judicial, estará incorrendo em crime de responsabilidade, mas não sei se a decisão judicial em si vai consignar que o presidente se isole ou não compartilhe o espaço público, ou que não saia em espaço público, porque isso é muito pessoal, seria uma restrição muito pesada. Praticamente o Judiciário teria de colocar um guarda, força policial na frente do Palácio da Alvorada contra o maior mandatário do Brasil.

 

Acho que se chegar nesse nível de descumprimento, provavelmente o caminho vai ser o impeachment por descumprimento de decisões judiciais. A não interferência no trabalho dos técnicos do Ministério da Saúde também é um ponto muito sensível porque o presidente deixaria de governar e dirigir a sua própria administração.

 

Então acredito que os pedidos relativos às medidas emergenciais, agenda emergencial, o Bolsa Família e a imposição de não interferir na atuação de estados e municípios, acho que têm mais chances de prosperar, mas tivemos um despacho muito significativo do ministro relator Luís Roberto Barroso, que mandou o presidente ser ouvido em 48 horas, o que significa que alguma decisão deve ser proferida ao longo da próxima semana, ou seja, o Supremo Tribunal Federal sinalizou que tem uma tendência a acolher em parte, se não no todo, o objeto desta ação, ou pelo menos da medida cautelar que imponha a não interferência sobre o trabalho dos governadores e prefeitos.

 

Vamos ver qual será o desdobramento, a ação é ambiciosa, mas me parece muito correta diante da gravidade do momento e com a conduta temerária que o presidente da República tem adotado. A segunda pergunta que o programa me impõe, se é cabível um plebiscito revogatório diante da conduta do presidente da República, a resposta tem de ser um singelo não simplesmente porque a figura do plebiscito revogatório, o famoso recall, não se encontra consagrado na Constituição brasileira.

 

A única forma de abreviar o mandato do chefe do Poder Executivo federal nesse momento seria a cassação de seu mandato em razão de alguma irregularidade cometida em sua campanha eleitoral, o que já não se verificou até o presente momento, ou seu afastamento temporário e depois definitivo em caso de julgamento favorável pelo Senado Federal depois de autorizada a abertura de processo pela Câmara dos Deputados de um pedido de impeachment em razão de crime de responsabilidade, e pode se arguir que várias das condutas do presidente têm incorrido em crime de responsabilidade ao atentar, por exemplo, contra a existência da União, contra direitos e garantias individuais, sociais e políticos.

 

O caminho para o afastamento do presidente da República, neste momento, não vou aqui discutir outras hipóteses que não tenham um caráter mais político ou que, por exemplo, depende de deliberação exclusiva dele como a hipótese de renúncia, mas o único caminho mais político jurídico concreto para esse afastamento é o impeachment, não há a figura no direito constitucional brasileiro do plebiscito revogatório.

 

* Bernardo Campinho é advogado constitucionalista e professor de Direito Público na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

 

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