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Debate: PT deve comemorar os 40 anos?

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Principal partido político de esquerda e símbolo da luta dos trabalhadores do país, o PT completa 40 anos este mês em meio a um dilema: as celebrações pela importância de sua militância histórica e a cobrança por autocrítica devido aos malfeitos durante o período em que esteve à frente do Executivo Federal, entre janeiro 2003 e agosto de 2016.

 

Os episódios de corrupção e a adesão a pautas identificadas com o neoliberalismo nos governos de Lula e Dilma viraram motivo de crítica a uma legenda que nasceu com o compromisso de promover mudanças estruturais na economia do país, democratizando a distribuição de renda e de terras, e o estabelecimento de uma nova ética na política.

 

Para debater as quatro décadas do Partido dos Trabalhadores, o Faixa Livre convidou o jornalista Cid Benjamin, o ex-deputado estadual pelo PT Gilberto Palmares, o cientista político e professor do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Eduardo Martins e o ex-chefe de gabinete da Presidência e ex-ministro pelo PT Gilberto Carvalho.

 

Cid Benjamin

Cid Benjamin

Com festejos programados para este final de semana no Rio de Janeiro, na Lapa, o aniversário do PT contará com eventos culturais e mesas de debates, a principal delas envolvendo os ex-presidentes de Brasil e Uruguai, Lula e Pepe Mujica, respectivamente.

 

A relevância do partido no cenário político nacional pode ser percebida pelo empenho de sua militância, que lota comícios país afora e marca território na disputa eleitoral. Não por acaso as entradas distribuídas para as comemorações do aniversário da legenda rapidamente se esgotaram. Além disso, o fenômeno popular PT atravessa suas contradições internas.

 

“Estava nas barcas vindo de Niterói e recebi uma mensagem de uma pessoa da antiga Embratel, militante do sindicato, pedindo para se filiar ao PT, e ela disse ‘eu não quero me filiar pela internet porque é muito frio, quero participar de alguma atividade’. Começo dizendo que estranha força tem um partido com apenas 40 anos, que vive um inferno astral nos últimos anos, atacado fortemente pela direita e que consegue ainda estar no coração de tanta gente ao ponto de pessoas espontaneamente virem se filiar ao PT”, testemunhou Palmares.

 

“O PT nasceu de baixo para cima e é fruto do esforço de uma série de segmentos importantes da sociedade brasileira que enfrentaram a ditadura, dos grupos de esquerda que sofreram os rigores dos porões, do chamado sindicalismo novo, combativo, onde o Lula era a expressão maior, até os grupos da igreja progressista”, continuou.

 

Apesar de assumir os ‘equívocos’ cometidos pelo partido, o ex-deputado lembrou a resistência enfrentada dentro do Congresso Nacional e exaltou a governabilidade do PT, especialmente nos primeiros oito anos em que esteve no Palácio do Planalto.

 

“O PT no governo provou, por exemplo, que é possível governar o Brasil tomando medidas de garantia da soberania nacional, como a Petrobras foi valorizada, sendo solidária a nível internacional aos países do terceiro mundo, pautando, como a igreja fala, a opção preferencial dos pobres, o combate à desigualdade. O principal conflito ético da sociedade, e não estou ignorando a corrupção, é o conflito da pobreza infame”, observou.

 

Gilberto Carvalho

Gilberto Carvalho

Um dos fundadores do partido e militante na luta contra os anos de chumbo, Cid Benjamin dividiu a trajetória democrática brasileira em momentos distintos, o último deles com protagonismo do PT. No entanto, ressaltou a falta de autocrítica dos integrantes da legenda progressista.

 

“Desde o fim da ditadura, a reorganização do movimento sindical, se abriu um terceiro período na história recente do Brasil de inserção dos trabalhadores na agenda nacional. O primeiro foi na revolução de 1930 quando, com Getúlio Vargas, os trabalhadores passaram a ter direitos trabalhistas, as mulheres começaram a votar. O segundo foi o que precedeu o golpe de 1964, com Jango (João Goulart) na incorporação dos trabalhadores do ponto de vista político, econômico e social, e o terceiro período foi esse que é marcado pela criação do PT, o aumento da influência do partido na política nacional e pelos mandatos do Lula e da Dilma na Presidência da República”, enumerou.

 

“Concordo com quem diz que o PT tem uma enorme importância na vida brasileira e marcou isso nesses seus 40 anos de vida. Me parece, porém, que os petistas têm uma certa dificuldade na reflexão sobre os erros cometidos. Não ajuda muito dizer ‘cometemos erros e vamos em frente’. Quais foram os erros? Diferentemente do que andou dizendo o Lula, que não tem de fazer autocrítica nenhuma, é preciso saber onde se errou. Não quero bater no PT, ele é um aliado, mas a principal questão que se coloca é como garantir a chamada governabilidade”, questionou o jornalista.

 

A possibilidade da chegada do partido ao poder, sucedendo a gestão entreguista de Fernando Henrique Cardoso, trouxa à classe trabalhadora a esperança de que tomaria as rédeas do desenvolvimento do país. Contudo, ainda durante a campanha eleitoral de 2002, a expectativa começou a se frustrar com a famosa “Carta ao povo brasileiro”, onde Lula sinalizava ao mercado para se viabilizar como opção à Presidência.

 

“Se queria [mudanças] não no sentido de programas sociais que atendessem os mais pobres, importantes, não era exatamente essa a expectativa. Inclusive haveria apoio para mudanças muito mais profundas, para a reforma agrária, tributária, política, isso nos levaria a algum tipo de questionamento das classes dominantes, seria preciso buscar a governabilidade. Não acho que seja uma bobagem pensar em governabilidade, mas o caminho que o PT adotou foi se compor com o que há de pior na política brasileira, distribuindo Ministérios para Moreira Franco, Geddel [Vieira Lima] e [Marcelo] Crivella”, rememorou Cid.

 

O professor da UFRJ fez questão de ressaltar aquele que considera um pecado original na fundação da legenda: a formação das decisões através de sua base popular, desconsiderando o posicionamento das lideranças vanguardistas.

Carlos Eduardo Martins

Carlos Eduardo Martins

 

“O PT tem um problema teórico, presente desde o início, que é esse basismo. Se por um lado é positivo, porque busca mecanismos de sustentação de baixo para cima, ele é problemático se não tiver um antídoto. O PT vai se afirmar colocando-se contra o chamado populismo que vinha do varguismo, do Brizola, contra o stalinismo e vai defender uma concepção onde o comando petista e as posições do partido refletissem as posições do movimento popular organizado”, observou.

 

“A ideia era que a vanguarda do partido não tivesse uma posição que se descolasse da posição do movimento popular organizado. Esse conceito de que a vanguarda devia expressar o movimento popular  dentro dessa composição, que deve ser de baixo para cima, e que não poderia ter um papel dirigente próprio, se transforma na eleição de 1994 para a ideia de sociedade civil organizada, que já é muito diferente. Inclui uma série de setores que não são do movimento popular, a Fiesp, a Febraban, e esse foi o percurso que o PT acabou tomando”, prosseguiu o Carlos Eduardo.

 

O combate às estruturas neoliberais que dominam a sociedade brasileira não foi implementada pelo partido. Ao contrário, foram aprofundadas com a manutenção de políticas de governos anteriores, como a liberalização financeira, a reforma patrimonial, com as privatizações de estatais, a reforma administrativa, idealizada pelo economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, e a reforma bancária, promovida pelo Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer).

 

Mesmo considerando a ausência de iniciativas para reagir aos ideais do capital, Gilberto Carvalho salientou as medidas que incluíram a população no chamado orçamento da União, em oposição ao que faz Jair Bolsonaro.

 

“O que o governo está fazendo agora é excluir o pobre do orçamento. O Lula dizia ‘esse negócio de pobre ser despesa acabou, pobre é investimento’. Para além da linguagem sociológica e das análises, o que esse governo fez de revolução foi no sentido de mudar a lógica. Isso não é pouco. As pessoas esquecem da correlação de forças que tínhamos naquele momento, uma minoria no Congresso, um Judiciário contra nós, basta ver o que houve no mensalão, um poder econômico e uma imprensa”, avaliou.

 

Gilberto Palmares

Gilberto Palmares

“Não quero negar de maneira alguma nossos erros, nos acomodamos muitas vezes em um padrão de governabilidade que se limitou muito à governabilidade fisiológica no Congresso, conseguimos incluir milhões de brasileiros no consumo, mas não na consciência, não soubemos tratar de maneira adequada toda a questão da comunicação, preferimos encher o bolso dos grandes donos de empresas de comunicação, do oligopólio e não investimos na imprensa democrática, isso foi fatal do ponto de vista da conscientização, e esse pragmatismo do financiamento empresarial de campanha”, admitiu o ex-ministro.

 

A imposição de mudança de postura dos atuais dirigentes do PT foi realçada por Gilberto Carvalho. Ele afirmou que a legenda precisa alcançar os grupos que foram deixados de lado nos últimos anos.

 

“Posso assegurar para você que a Gleisi [Hoffmann, presidente do partido] tem muito clara a necessidade de repensarmos nosso projeto. O problema é que um projeto não pode ser afirmado e dito dentro de uma cabine, de uma universidade, tem de ser um projeto capaz de mobilizar. Acredito que nosso governo, em que pese as limitações, demonstrou que era possível ter um novo padrão de desenvolvimento do Brasil. Não é um governo de afirmação teórica, é a capacidade que temos e o grande drama que sinto hoje não é tanto a afirmação político-ideológica do partido, é a nossa capacidade de voltar a encantar a juventude e as massas populares que estão na periferia entre as igrejas evangélicas, as milícias e o tráfico”, finalizou.

 

Ouça o debate na íntegra:

 

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