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Debate: A República do Brasil

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O conceito de República, derivado da expressão latina ‘res publica’, significa literalmente ‘coisa do povo’, algo que não é considerado uma propriedade privada, mas mantido em conjunto por muitas pessoas. A lembrança faz-se necessária quando completam-se 130 anos da Proclamação da República no Brasil.

 

No entanto, apesar do encerramento do regime monárquico estabelecido até 1889 no país, há, de fato, uma predominância da população nas decisões que guiam os rumos da nossa nação? O que podemos fazer para derrotar a ditadura imposta pelo capital?

 

O programa Faixa Livre convidou para debater essas questões o sociólogo Léo Lince, o professor de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense (UFF) Eurico Lima Figueiredo, o jornalista do coletivo Intervozes e servidor concursado da Ancine Gustavo Gindre e o professor de História e membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) Hiran Roedel.

Eurico Figueiredo

Eurico Figueiredo

 

É curioso lembrar que o estabelecimento da República no Brasil se deu após um golpe militar, comandado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, conforme fez questão de ressaltar o docente da UFF.

 

“Infelizmente a história republicana não é alvissareira, ela se inicia com o golpe militar de 15 de novembro de 1989 e os próximos quatro anos serão reconhecidos como a chamada República da Espada. É interessante observar como havendo a entrada dos militares na posse do poder político, logo depois eles saem. Em geral, isso é pouco estudado no Brasil e como há a recuperação do chamado poder civil a partir de 1894 até 1930”, pontuou.

 

Após fazer um rápido levantamento sobre os acontecimentos que marcaram o período republicano no país, Figueiredo destacou que começa a surgir na população a conscientização sobre seu papel na estrutura política do Estado.

 

“Parece que está havendo a compreensão entre os brasileiros do que significa realmente a República. Ela é, antes de mais nada, o reconhecimento ao cidadão, o respeito à coisa pública. Não se pode roubar porque, quando se rouba, se rouba do mendigo até o mais rico empresário, pagam todos, isso é inviolável, e cada vez mais existe essa consciência cidadã do brasileiro. O segundo é o respeito ao mérito, ou seja, a meritocracia, de que as pessoas são todas iguais perante a lei, mas se distinguem pelo seu trabalho e pela sua capacidade e, finalmente, a República é antipreconceituosa radicalmente”, enumerou.

 

“De 1988 para cá, temos buscado aos trancos e barrancos a instalação da República entre nós e o método de administração desse regime é a democracia que parte não do consenso, mas do dissenso supondo que é possível o consenso, ou seja, a negociação das divergências visando um consenso que nunca é uma unanimidade. É sobre uma concordância generalizada em relação aos rumos que se deve tomar”, prosseguiu o professor.

 

O caráter militarista do fim do período do reinado no país também foi alvo da avaliação de Lince. Ele fez referência à afirmação de um renomado jurista brasileiro sobre o assunto, concluindo que as imperfeições do regime republicano estão ligadas à sua origem.

 

Léo Lince

Léo Lince

“Sobral Pinto afirma com a sua maneira sempre categórica que a grande desgraça da República no Brasil é que ela foi proclamada por militares que não eram republicanos, disso resultou um pecado original, uma marca de nascença que é a ideia de que os militares tutelam a política e são chamados efetivamente a intervir nos momentos em que consideram críticos, como acontece atualmente. É uma das desgraças da República brasileira que efetivamente não consegue se consolidar como uma expressão daquilo que deveria ser”, considerou.

 

A Constituição de 1988 traz em seu Artigo 1º, parágrafo único, a formulação basilar que sustenta a República democrática na ideia de que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos. Entretanto, a concepção de cidadania anda rachada no nosso país.

 

As desigualdades que configuram a sociedade brasileira desde sua formatação e persistem até hoje dificultam o exercício da cidadania e o estabelecimento de um sistema de governo que privilegie o atendimento às demandas da maioria.

 

“Se você tem um cidadão de segunda categoria significa que ninguém é cidadão. Uma das marcas da política brasileira, não só com relação a esse aspecto, é a ideia de que você tem nos grandes momentos da história do Brasil as elites dominantes, os donos do poder econômico, eles têm conseguido se antecipar aos acontecimentos”, observou o sociólogo.

 

“O próprio fato de a Proclamação da República ter sido feita por militares que não eram republicanos, a ideia da Independência ter sido feita por um príncipe herdeiro, da revolução de 1930 ser marcada por uma declaração como a daquele governador de Minas [Antônio Carlos de Andrada], que faria a revolução antes que o povo a fizesse. Você tem uma série de interferências para evitar um processo efetivo de mudanças que pudesse discutir essa questão central que é a presença do povo na política”, concluiu.

 

Gustavo Gindre

Gustavo Gindre

A intentona comandada por Deodoro da Fonseca se deu um ano após a abolição da escravatura ‘protocolar’ no país, o que pode, de alguma forma, explicar a ausência dos negros na conformação representativa da República, visto que eles, apesar de libertos, permaneceram relegados na sociedade.

 

A tese de exclusão de determinadas classes do povo da política institucional no Brasil foi confirmada por Roedel. O historiador relatou que a segregação se dá desde a promulgação da primeira Constituição, em 1891.

 

“A população sempre participou politicamente com suas revoltas, seus levantes, mas quando há a instauração da República, você já excluiu 80% da população de participação do processo político, que são os analfabetos, e nessa leva dos analfabetos, a grande maioria era dos ditos ex-escravos porque a condição deles permaneceu quase a mesma. O analfabeto já não participa, quem é pobre também não participa, os soldados não participam da política, as mulheres não participam, ou seja, é uma res pública que não é pública”, classificou.

 

A inclusão plena de todos os brasileiros na escolha de seus representantes se deu apenas com a instituição da Carta Magna de 1988, quase 100 anos depois do início da história republicana. No entanto, alguns dramas estruturais sérios ainda não foram solucionados.

 

“A reforma agrária nunca foi feita porque a política sempre foi controlada por aqueles que detêm o poder econômico e quem detém o poder econômico não se interessa em fazer a reforma agrária. Não que seja para resolver um problema econômico, é para resolver um problema de justiça social. Não se pode jogar essas pessoas que vêm do campo nas favelas dos grandes centros urbanos. Hoje 80% da nossa população é urbana, e sendo urbana, sem grandes qualificações, está fadada a viver nas favelas em condições miseráveis. Essa é a meritocracia que temos de questionar”, alertou o militante do PCB.

 

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Hiran Roedel

A formulação republicana ligada às ideias de democracia e igualdade, muito exaltada pelas gerações atuais, foi desconstruída por Gindre. O jornalista sinalizou que a falta de equidade nas relações de poder social e econômico em todo mundo nunca foi questionada pelas organizações.

 

“O conceito de República não só no Brasil, como em outras experiências, sempre conviveu relativamente bem com a desigualdade. A gente incorpora hoje o conceito de que só faz sentido República se você puder radicalizar a democracia por um lado, diminuir a desigualdade por outro lado. Isso são conquistas que a gente precisa incorporar, mas historicamente não caminham juntas”, disse, rememorando a experiência no berço do republicanismo.

 

“Nos Estados Unidos, os chamados pais fundadores, convivia-se muito bem com a escravidão. Demoraram 80 anos para acabar com ela e depois tivemos mais 100 anos das políticas de segregação sem que houvesse grandes problemas teóricos com o centro de República. O próprio [ex-presidente James] Madison, que é um dos principais formuladores da Constituição americana, escreve no famoso texto ‘os Federalistas’ que estava criando uma República e não uma democracia. A democracia tenderia a causar confusão porque se teria as facções, e ele estava pensando muito especificamente nos de baixo. Haveria um problema de governabilidade. O Brasil está inserido nisso, alargando esse conceito de República”, constatou.

 

Ouça o debate na íntegra:

 

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