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Editorial – 18.01.2022

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No nosso espaço editorial de hoje (18), eu gostaria de trazer para vocês um tema que nós ainda não tratamos aqui no programa, que são essas tragédias naturais que levam abaixo patrimônios da humanidade provocadas pela irresponsabilidade de seguidas gestões no nosso país, como essa que pôs abaixo, na última semana, um casarão histórico na cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais.

 

Para isso, eu faço a leitura do essencial artigo escrito pela historiadora do direito e professora da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Patrícia Valim, publicado ontem (17) pelo jornal Folha de S. Paulo. O título do texto é “Como chove no país das remembranças”. A Patrícia diz o seguinte:

 

Em 1951, Carlos Drummond de Andrade publicou o poema “Morte das casas em Ouro Preto”, no livro “Claro Enigma”: “Vai-se a rótula crivando / como a renda consumida / de um vestido funerário / E ruindo se vai a porta / Só a chuva monorrítmica / sobre a noite, sobre a história / goteja. Morrem as casas / Morrem, severas. É tempo / de fatigar-se a matéria / por muito servir ao homem / e de o barro dissolver-se / Nem parecia, na serra / que as coisas sempre cambiam / de si, em si. Hoje, vão-se”.

 

Na última quinta-feira (13), pouco depois das 10h, parte do Morro da Forca —em uma das principais ruas de Ouro Preto (MG), com grande movimento de pessoas e carros— caiu minutos depois que a Defesa Civil rapidamente interditou o local e preservou centenas de vidas que passam por ali diariamente. Esse desabamento soterrou o histórico casarão “Baeta Neves”, interditado desde 2012, abrindo uma fenda no morro que ainda poderá desabar e atingir pessoas, outros casarões históricos com estabelecimentos comerciais, o Centro de Convenções da Ufop (Universidade Federal de Ouro Preto), uma escola de educação infantil e muita história.

 

Chove torrencialmente na chamada região dos Inconfidentes —Ouro Preto, Mariana e Itabirito— desde 27 de dezembro de 2020, com aumento considerável nos dias 8 e 9 de janeiro, quando eu, meu filho de 11 anos e vizinhos saímos às pressas conforme orientação da Defesa Civil depois de dois deslizamentos seguidos no morro atrás de nossas casas. O medo e a insegurança deram lugar ao sentimento de indignação quando, na segunda-feira (10), descobrimos que os deslizamentos que nos colocaram em risco foram causados por uma construção no topo do outeiro, cujo proprietário decidiu jogar terra e restos da obra morro abaixo.

 

A ação desse proprietário, ao mobilizar uma ideia própria de liberdade individual em uma realidade sistêmica, colocando em risco um grupo de pessoas e ele mesmo, demonstra que não teremos um país democrático de fato enquanto a população não for educada para o fim dessa falácia neoliberal: a liberdade individual não pode se sobrepor à vida das pessoas em sociedade. Em um jogo de escala, essa mesma lógica é ampliadíssima há décadas pelas mineradoras da região por meio de uma exploração predatória para a obtenção de lucros. Tudo com a conivência do poder público, que atua para viabilizar esses negócios no lugar de proteger a vida das pessoas, garantindo terra segura, trabalho digno e comida farta.

 

Nesta época chove torrencialmente há séculos, mas desde 2012 laudos técnicos de geólogos e engenheiros ambientais comprovam que o deslizamento do Morro da Forca é mais um crime ambiental que também poderia ter sido evitado. Por isso, não podemos qualificar esses desabamentos e as enchentes na Bahia e em Minas Gerais como eventos inevitáveis, “tragédias” – eufemismo para o extrativismo criminoso e descontrolado das mineradoras como a única possibilidade de desenvolvimento da região e do país que escravizou milhões de africanos e africanas e hoje pauperiza sua gente para “fornecer produtos tropicais para o mercado europeu”: cana-de-açúcar, ouro, metais preciosos, café, borracha, soja, carne de frango, minérios.

 

Não podemos mais aceitar como projeto de país a atualização do “sentido da colonização” (denunciado por Caio Prado Júnior na década de 1940), um desenvolvimentismo que mata a diversidade e a nossa gente, aparta as pessoas de suas terras, engole cidades, transforma a natureza em lama e a nossa história em pó. Para isso, como no poema de Drummond, precisamos construir um “país de remembranças”: palavra que vem do ato de remembrar, de lembrar e de unir terras”.

 

Ouça o comentário de Anderson Gomes:

 

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