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Editorial – 20.09.2021

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No fim da última semana, nós tivemos a explosão de mais um escândalo que contou com a anuência do Governo Federal na pandemia, que foi aquele estudo da operadora de saúde Prevent Senior, que fraudou o resultado de um estudo a respeito da eficácia do tratamento da Covid-19 com a administração de hidroxicloroquina combinada com azitromicina,

 

A empresa teria omitido a ocorrência de sete mortes de pacientes, informando apenas dois óbitos durante a pesquisa. Além disso, o ministro da Saúde Marcelo Queiroga, de maneira irresponsável e atendendo a um pedido do presidente Jair Bolsonaro, orientou pela suspensão da vacinação de adolescentes entre 12 e 17 anos sem comorbidades alegando uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), de maneira mentirosa, evidentemente. O problema, como sempre, é a falta de imunizantes no país.

 

A respeito desses temas, a jornalista Dorrit Harazim escreveu uma ótima coluna na edição do último domingo (19) do jornal O Globo, a qual eu passo a leitura agora para vocês ouvintes. O título do texto é “Sem bússola”:

 

Estão fazendo tempestade em copo d’água, avaliou na sexta-feira o hemodinamicista Marcelo Queiroga, com a nonchalance recém-aprendida de simular segurança. Quarto titular da pasta da Saúde de Jair Bolsonaro, Queiroga é o mais recente equilibrista/prestidigitador com a saúde dos outros. Referia-se à grita nacional gerada pela abrupta suspensão de vacinas para adolescentes, anunciada 24 horas antes. A medida também abortava o próprio calendário oficial de imunizar jovens de 12 a 17 anos a partir da quinta-feira, empurrando os brasileiros para novo patamar de desinformação bolsonarista. Todos ao mar, sem bússola.

 

O jornalismo fez o que pôde para aquietar a população quanto à confiabilidade da vacina Pfizer — única autorizada para essa faixa etária — e convocou às pressas as vozes da ciência mais serenas e seguras para que se pronunciassem. Margareth Dalcolmo e Drauzio Varella, entre tantos outros, atuaram como dique para o desassossego em erupção. Coube ao médico sanitarista Gonzalo Vecina, a bordo do seu par de suspensórios e barba de Papai Noel, ser mais tonitruante. Por ter sido fundador e presidente da Anvisa, além de coidealizador do Sistema Único de Saúde (SUS) na década anterior, não lhe faltava conhecimento das entranhas e necessidades da saúde pública no Brasil. Ele rugiu.

 

‘É um desastre, perdemos os rumos no Ministério da Saúde. Nada se faz sem inteligência, nada’, explicou em entrevista ao Estúdio I da GloboNews, alertando sobre a implosão de inteligência imposta ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) na era bolsonarista. Apesar de criado em 1973, quando a ditadura militar foi soberana para matar e fazer desaparecer opositores, o PNI sempre teve à mão um conselho que reunia dezenas de médicos do vasto Brasil. O grupo se reunia periodicamente e tomava as decisões mais relevantes — que vacinas aplicar, como e quando aplicar. ‘Essa inteligência respeitada foi jogada no lixo quando Bolsonaro extinguiu o grupo’, diz Vecina. (Vale acrescentar que, nesta semana, outro órgão, desta vez subordinado ao Ministério da Educação, também fez tábula rasa de sua inteligência técnica. A presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Capes, Cláudia Queda de Toledo, no cargo há cinco meses, destituiu os 20 integrantes do colegiado que avalia os quase 5 mil programas de pós-graduação do país. Serão substituídos por 18 outros, que talvez venham a exercer o poder de revogação de decisões anteriores.)

 

O diagnóstico do sanitarista Vecina sobre a atuação de Queiroga à frente do ministério e do combate à Covid-19 foi transparente: ‘Um profissional de sala de hemodinâmica que pode até ser competente nessa área, mas de saúde pública não entende nada. O que ele quer mesmo é continuar a ser ministro’. Sua subserviente participação na live semanal de quinta-feira, ao lado de Bolsonaro, confirma o diagnóstico: Queiroga virou claque. Aprendeu a rir em sincronia com os espasmos do ‘mito’, achou graça até em piada sobre função erétil. O país, à mesma hora, tentava sobreviver. E não se desesperar.

 

Em junho deste ano, a jornalista Chloé Pinheiro publicou na plataforma Medium Brasil um denso relato sobre uma vítima despreocupada e negacionista, em harmonia com seu círculo familiar bolsonarista. Nas três vezes em que recorrera a um pronto-socorro Prevent Senior em 2020, por ter contraído Covid-19 da filha, foi dispensada. Mas nunca saiu de mãos vazias — sempre segurando a mesma receita de oito medicamentos do “kit Covid”. Na quarta vez, com a saturação de oxigênio beirando os 89%, acabou sendo internada e entubada. Morreu pouco depois.

 

À época da reportagem, o convênio dirigido ao atendimento de idosos contava com 485 mil mutuários, a um custo médio de R$ 800 mensais, e afirmava ter tratado 12 mil com hidroxicloroquina, com 100% de sucesso. A reportagem já apontava para a obrigatoriedade dos médicos do grupo de prescrever o ‘kit Covid’, com plena anuência do Conselho Federal de Medicina, da Agência Nacional de Saúde Suplementar e demais autoridades. “A empresa encerrou 2020 com um lucro de R$ 495 milhões. Mil reais para cada vida no bolso dos sócios”, escreveu a jornalista. E acrescentou que foi somente em abril deste ano, depois de 12 meses de experimentação da Prevent Senior com seus usuários, que o Ministério Público de São Paulo abriu inquérito para investigar o grupo. Inquérito apenas civil.

 

Hoje o Brasil se aproxima de 600 mil vítimas fatais da Covid-19. O número de brasileiros idosos que firmaram contratos com a Prevent Senior também já pode estar beirando os 600 mil, a um lucro anual equivalente. Nesta semana, graças a um dossiê/denúncia elaborado por médicos e ex-médicos do próprio grupo, encaminhado à CPI da Covid e divulgado em primeira mão pelo repórter Guilherme Balza, a real criminalidade dos experimentos da Prevent Senior com suas cobaias crédulas e pagantes veio à tona. O quadro é de horror lesa-humanidade, apontando para Brasília — e não se faz uso fácil do termo neste espaço.

 

Por ora, a resistência do SUS e a determinação da maioria dos integrantes da CPI em honrar nossos mortos são raros motivos de esperança nacional. Não é preciso ter lido Voltaire para repetir quantas vezes for necessário — toda pessoa que consegue convencer a acreditar em absurdos é capaz de fazer cometer atrocidades”.

 

Ouça o comentário de Anderson Gomes:

 

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