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Editorial – 25.04.2022

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Nesse carnaval fora de época que tivemos nos últimos dias, muita coisa aconteceu no nosso país e no mundo, mas eu não posse deixar de destacar nesse primeiro editorial após o breve recesso essa decisão do Supremo Tribunal Federal por condenar o deputado Daniel Silveira a oito anos e nove meses de prisão por suas ameaças aos ministros da Corte e à própria democracia, bem como a resposta do presidente Jair Bolsonaro, que concedeu um inédito indulto da graça ao parlamentar, que retira os efeitos da pena imposta pelo STF.

 

Eu farei a leitura de um texto publicado pelo professor da UnB Luís Felipe Miguel nas suas redes sociais a respeito desse episódio, onde ele ressalta a necessidade de uma reação da Suprema Corte do país a essa medida do ex-capitão, que tensiona o quadro e mais uma vez indica que ele usará todo tipo de artifício para se manter no poder caso seja derrotado nas urnas em outubro, por mais que a sua decisão, dessa vez, esteja prevista na Constituição. O professor diz o seguinte:

 

O que Bolsonaro fez foi jogar a bola para o STF. Se não houver uma resposta dura, Bolsonaro será o vitorioso.

 

Não sou jurista, longe disso, mas é claro que a condenação do deputado neofascista é muito controversa. A imunidade parlamentar impede a tipificação do delito de opinião. O argumento de que Silveira estaria promovendo a violência precisaria de outros elementos, afora a retórica, para ser sustentado além da dúvida razoável.

 

Isto quer dizer que a condenação foi errada? Não. Minha interpretação é de que foi correta. Foi correta como movimento no jogo de forças de um país em que o direito não vigora mais.

 

A deflagração da Lava Jato e seu primeiro rebento, o golpe de 2016 – tudo com o beneplácito do Supremo, convém não esquecer – jogaram o Brasil num vale-tudo, sem regras fixas, uma permanente queda de braço entre os poderes e dentro dos poderes.

 

É uma pinoia? É. Mas não é algo que se resolva por um mero ato de vontade, nem por exemplo virtuoso. É preciso entender as novas circunstâncias em que a disputa está sendo travada.

 

Muitos, no campo democrático, preferem, taticamente, louvar a decisão do STF como um primor de exegese jurídica, mas acho importante ver os fatos tal como são. A ginástica feita para condenar Silveira dificilmente se justificaria se não vivêssemos na situação de incerteza legal em que o desmonte da Constituição de 1988 nos colocou.

 

Por isso, é preciso ter clareza também em relação a outra questão: o Supremo se ergue em favor de quê?

 

Movidos pela justificada ânsia de ver alguma ação contra o bolsonarismo, muitos passaram a ver no STF o guardião da Constituição que ele deveria mesmo ser. Não falta quem acenda velas no altar de Alexandre de Moraes.

 

Mas o Supremo se ergue em favor dele mesmo, não da democracia. Não é à toa que os únicos ataques do bolsonarismo que merecem respostas duras são os ataques a ele próprio. Em relação a tudo mais, há sempre contemporização, negociação, acertos.

 

O Supremo – e eu me refiro aqui, obviamente, à resultante de 11 ministros bastante diversos entre si – não quer perder seu lugar à mesa: a mesa em que se dá a queda de braço entre os poderes, para ver quem manda mais.

 

O bolsonarismo, como é da índole dos movimentos da extrema-direita, quer ficar sozinho nesta mesa.

 

Claro que a concentração do poder no Executivo bolsonarista representa um passo importante para a fascistização do país. Por isso, nesta disputa, é preciso apoiar o STF.

 

Mas sem ilusões. Seu compromisso com a democracia é pontual, vacilante, condicional. Se tivermos, a partir do ano que vem, um governo comprometido com a tarefa de reconstitucionalização do Brasil, o Supremo será mais um empecilho do que um parceiro na realização da tarefa.

 

Falta-lhe compromisso e falta-lhe coragem. Não custa lembrar o que deflagrou a condenação de Silveira: um vídeo em que ele comentava as declarações de Facchin sobre o reconhecimento público, pelo general Villas Bôas, de que o Exército exigiu a inelegibilidade de Lula em 2018.

 

O STF falou grosso com o deputado – que pode ser anabolizado, miliciano, mas é um zé-ninguém – e continuou pianinho diante dos militares…

 

O indulto de Bolsonaro, por sua vez, segue a lógica de escalar a crise.

 

Pode ser uma jogada para atiçar sua base, que delirou com o anúncio; pode ser o pagamento de um tributo para garantir o silêncio de Silveira, já que é mais difícil dar a ele uma solução à Adriano; pode ser uma nova tentativa de colocar na rua o carro do golpe, ainda que as chances de êxito sejam, por ora, escassas.

 

Seja como for, é um escárnio – uma afronta seja ao princípio da moralidade pública, seja à autoridade do STF.

 

Exige uma resposta dura.

 

A revogação do indulto é parte dela. Ao que parece, há muitas brechas legais para isso, embora tenha que refutar jurisprudência anterior do próprio Supremo. Mas tudo bem, eles fazem isso o tempo todo.

 

Seria o caso de ir além disso. Sempre tendo em mente que o que está em jogo não é o direito, é a capacidade de se colocar na ofensiva política.

 

Uma vez que uma das explicações possíveis para o indulto é a necessidade de manter Silveira calado, seria possível – por exemplo – apertar as investigações sobre a relação entre a família Bolsonaro e as milícias.

 

Decretar a prisão preventiva de um ou dois dos filhos seria perfeito, mas não me arrisco a sonhar tão alto.

 

Para isso, o Supremo teria que usar uma coragem que não revelou até agora”.

 

Ouça o comentário de Anderson Gomes:

 

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