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Medidas anunciadas pelo governo ainda são insuficientes

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Por Victor Araújo*

 

Olá, ouvintes do programa Faixa Livre. Ontem o ministro Alexandre de Moraes autorizou, em caráter liminar, que os gastos decorrentes do combate ao coronavírus sejam em desenquadrados da lei de Responsabilidade Fiscal e também da lei de Diretrizes Orçamentárias. Essa medida vem em boa hora não só por causa dos gastos decorrentes da questão sanitária propriamente dita, mas também porque o combate à própria crise humanitária que virá depois, decorrente da interrupção da atividade econômica, também vai requerer esse desenquadramento.

 

O estado de calamidade já havia autorizado que a meta de déficit primário da lei de Diretrizes Orçamentárias fosse descumprida, dava algum espaço para a expansão dos gastos nesse sentido e essa liminar de ontem também permite que novos gastos possam ser criados sem que se especifique a origem das receitas que vão custeá-los. Essa é uma exigência da lei de responsabilidade fiscal e essa exigência cai com essa decisão liminar. Existe uma questão jurídica, aí não sabemos se ela cai somente nesse momento de combate ao coronavírus, uma vez que o que está em discussão é a constitucionalidade ou não das medidas, mas isso a gente deixa para os juristas comentarem.

 

Agora, ainda é pouco, porque as estimativas que têm aparecido, que vários colegas têm levantado das necessidades de ampliação dos gastos não só para combater a pandemia, não só para prover saúde, criar novos leitos, novas UTI’s, respiradores, não só para o combate da pandemia em si, mas para socorrer a economia, os trabalhadores que vão perder renda decorrente da interrupção da atividade, vão requerer, estimativas têm apontado para a casa das centenas de bilhões de reais só de recursos orçamentários, ou seja, da parte referente à política fiscal.

 

O grosso das medidas que o governo Bolsonaro tem anunciado até aqui são da área da política financeira, da política monetária e da política financeira, linhas de crédito a partir dos bancos públicos, anunciadas na última sexta-feira (27), com prazo de carência, taxas de juros mais baixas especialmente para prover financiamento para que as empresas possam pagar salários. É uma medida que tem sido muito criticada não pela medida em si, mas pelo seu alcance, que é muito curto, ela deixa de fora empresas de pequeno porte, também existe uma dúvida sobre como as grandes empresas farão.

 

Certamente as grandes empresas têm melhores condições de enfrentar esse cenário, mas o meu ponto é que não é ainda a política monetária, nem a política financeira que vão dar as respostas mais contundentes ao cenário de crise económica que se avizinha, mas sim a política fiscal porque, neste momento, para combater a crise econômica que resultará da interrupção das atividades, o governo precisa prover renda aos trabalhadores do setor privado formal e informal.

 

Vemos, portanto, com bons olhos a medida aprovada pela Câmara dos Deputados, mas que ainda não foi aprovada pelo Senado, tampouco sancionada pelo presidente da República, que é aquele projeto de renda mínima de R$ 600, que pode ir até R$ 1200, para os trabalhadores informais. Essa medida vem em boa hora porque, de fato, o mercado de trabalho brasileiro nos últimos anos se acomodou na informalidade, mas ainda existem muitas lacunas a serem preenchidas.

 

Os trabalhadores formais, os trabalhadores das empresas que estão pouco a pouco tendo de interromper suas atividades, existem ainda muitas lacunas que terão de ser preenchidas e vamos requerer um esforço maior da política fiscal para que esses trabalhadores tenham uma provisão de renda para enfrentar essas próximas semanas, que ainda não sabemos quanto tempo vai durar. Para além de tudo, você ainda tem um elemento de incerteza que é da duração da pandemia e, portanto, das medidas restritivas de isolamento, desde o isolamento social até a quarentena, quando a pessoa de fato desenvolveu sintomas da Covid-19, e da forma como se acomodarão as diversas situações decorrentes da interrupção da atividade.

 

Estamos falando simplesmente daquilo que se prevê será a pior recessão talvez dos últimos 100 anos. Nós economistas gostamos de fazer essas comparações, alguns fazem comparações com 2008, com 1929, acho que isso é o menos importante. O mais importante é a gente perceber que existe uma crise económica muito severa que já chegou. Há outra questão que já tenha levantado há bastante tempo que é a dos estados e municípios. Os estados e municípios vão ter perda de arrecadação muito severa. Já começou para os estados que dependem da arrecadação de royalties e participações especiais do petróleo, mas que agora já se estendeu a todos os estados e municípios em razão da queda da atividade econômica e de arrecadação.

 

Então vemos com bons, olhos por exemplo, as medidas de carência no pagamento da dívida dos estados para com a União. Ela tem de ser extensível aos municípios porque, tenho insistido nesse ponto, mais importante é que essa crise não afete, em primeiro lugar, o pagamento dos servidores públicos ativos e inativos. O estado do Rio de Janeiro foi um exemplo de como pode ser devastador o efeito do atraso no pagamento de salários. O estado do Rio de Janeiro foi um dos mais atingidos na crise.

 

Sobre seu território tínhamos a construção da refinaria em Itaboraí, que depois foi suspensa, onde houve uma perda de empregos muito grande, mas, ao mesmo tempo, quando não se paga salários de servidores ativos e inativos, isso resulta em um efeito em cadeia, queda de consumo, as empresas vão produzir menos porque há menos consumo, então é crucial assegurar o pagamento dos salários dos servidores e dos pensionistas.

 

Mais importante que tudo também é garantir a oferta dos serviços públicos com qualidade porque, depois que passar a pandemia, há um monte de cirurgias seletivas que foram adiadas, vários pacientes com tratamentos médicos que foram adiados em razão do caráter emergencial do combate à pandemia, mas vai se formando uma fila e não sabemos. A questão não é só acabar a pandemia e a vida voltar ao normal daqui a dois ou três meses, a questão é que você terá uma fila no sistema de saúde, a educação pública, possivelmente as escolas terão de prorrogar seus calendários escolares, haverá uma série de efeitos em termos de demanda dos serviços públicos e a economia também não se recupera da noite para o dia, só simplesmente dizer ‘acabou a quarentena, acabaram as medidas de isolamento que as empresas vão voltar felizes e sorridentes’.

 

Não, isso não vai acontecer. As empresas ainda vão voltar com alguma dificuldade, os consumidores modificam seus hábitos, eles ainda vão certamente levar algum tempo até ter confiança de que pode voltar a ter aglomeração, já se cogita que os movimentos nos shoppings centers vão demorar a voltar, há tem uma série de questões que terão efeitos um pouco mais duradouros. É importante, então, assegurar a flexibilidade na execução orçamentária, e eu vejo com bons olhos essa liminar concedida ontem pelo Supremo, mas ainda temos muito que fazer.

 

E aí nós esbarramos no teto dos gastos, a famigerada emenda constitucional nº 95, porque ela permite gastos extraordinários com saúde, mas o que se entende como sendo gastos extraordinários decorrentes da pandemia? Entendo que os gastos extraordinários decorrentes da pandemia são todos aqueles que vão ser necessários para sustentar o nível de atividade, para prover renda aos trabalhadores, mas e aí?  Então precisamos enfrentar esse debate. O teto estabelecido pela emenda constitucional 95 precisa cair, é crucial a sua revogação.

 

Quero crer, sou sempre muito otimista, que, ao término disso tudo, quem sabe a gente não consiga construir finalmente um novo consenso na condução da política macroeconómica, que seja mais favorável ao manejo do gasto público como uma variável que tem a capacidade de sustentar de uma forma mais prolongada o nível de atividade econômica. Quem sabe a gente não possa, ainda que aos trancos e barrancos, ir contribuindo para construir este consenso. É isso, deixo um forte abraço para toda a produção do Faixa Livre e para os nossos ouvintes.

 

* Victor Araújo é professor de Economia na Universidade Federal Fluminense (UFF)

 

Ouça a análise de Victor Araújo:

 

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